Generais não aceitam que STF e TSE os impeçam de fiscalizar o sistema eleitoral eletrônico  

Ministro da Defesa defende o óbvio em documento enviado à Justiça Eleitoral: ‘Secreto é o exercício do voto, não a sua apuração’; como não dá para fazer ‘Contagem Pública de Votos”, militares exigem auditar processo

  • Por Jorge Serrão
  • 13/06/2022 16h11
Divulgação/Ministério da Defesa Ministro Paulo Sérgio Nogueira fala em entrevista coletiva Ingressar na carreira militar é um sonho para muitos. Neste sábado (11), a Turma Dom Pedro I da Escola Naval, no Rio de Janeiro, recebeu o Espadim, símbolo do aspirante, passo importante do militarismo.

Como instituições nacionais permanentes, as Forças Armadas têm toda legitimidade, legalidade e liberdade para garantir o cumprimento e o respeito à Constituição. Por isso, os comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, diretamente ou através do Ministro da Defesa (que pode ser até um civil), têm competência e direito de se manifestar e intervir sempre que o aprimoramento institucional exija. Por isso, elas são “organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, destinam-se à defesa da pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”. Essa é uma das interpretações corretas do artigo 142 da Constituição Federal — sobre o qual se gera tanta polêmica inútil, incorreta e injusta.

G. K. Chesterton pregava que “toda convicção é uma prisão”. No entanto, os militares alimentam algumas convicções democraticamente libertadoras. Descartam e trabalham, institucional e profissionalmente, para que não se repitam 1964 e, menos ainda, 1968. O termo “golpe” — sobretudo militar — é palavra descartada do dicionário ou do manual de procedimento estratégico deles. Os generais também rejeitam o papel de “Poder Moderador” (não previsto na atual Constituição, que vigorou na Constituição do Império do Brasil). Também não concordam — nem precisam falar publicamente sobre isso — que a “moderação” seja invocada e executada pelo Supremo Tribunal Federal. Em síntese, os militares só querem contribuir como solução, jamais como parte do agravamento do problema, para uma das mais graves crises institucionais da história do Brasil.

Foi com o espírito de contribuição concreta para a construção e consolidação do processo democrático que os militares aceitaram a missão de participar do aprimoramento do sistema eleitoral brasileiro. Os oficiais generais desejam acabar com eventuais polêmicas descabidas entre eles, os demais poderes e os administradores eleitorais (o Tribunal Superior Eleitoral e o Supremo Tribunal Federal que se consolidam na marca “Justiça Eleitoral”). Em função disso, o Ministério da Defesa definiu como recomendação que o TSE tire o sigilo de toda a conversa entre os especialistas em guerra cibernética das forças armadas e a corte eleitoral. O general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira deseja que se tornem públicas todas as sugestões que foram feitas pelos técnicos militares, comparando como a Justiça Eleitoral recebeu cada uma delas. Esse foi o espírito do Ofício 14845, enviado ao presidente do TSE, Luiz Edson Fachin, tornado público na sexta-feira, 10.

O Ministério da Defesa — falando em nome do estamento militar — não abre mão das contribuições feitas ao Comitê de Transparência das Eleições (CTE), criado em 8 de setembro de 2021 (não por coincidência, um dia após o duríssimo discurso do “comandante-supremo” presidente Jair Bolsonaro contra alguns integrantes do Supremo Tribunal Federal, mais especificamente o próximo presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes). No documento, o general Paulo Sérgio reclama (no item 11) que “até o momento não houve a discussão técnica mencionada, não por parte das Forças Armadas, mas pelo TSE ter sinalizado que não pretende aprofundar a discussão”. No item 12, o general acrescenta, em negrito: “Reitero que as sugestões propostas pelas Forças Armadas precisam ser debatidas pelos técnicos”. No item 13, justifica por que isso é fundamental: “Destaca-se que, por se tratar de uma eleição eletrônica, os meios de fiscalização devem se atualizar continuamente, exigindo pessoal especializado em segurança cibernética e de dados”. E negritou, novamente: “Não basta, portanto, a participação de ‘observadores visuais’, nacionais e estrangeiros, do processo eleitoral”.

O general Paulo Sérgio parte de um pressuposto teórico correto: “Secreto é o exercício do voto, não a sua apuração”. Mais um pouco, o general chegaria na tese básica, democrática, de que o modelo de escrutínio democrático pressupõe a “Contagem Pública dos Votos”. Mesmo não avançando tanto, o ministro da Defesa sintetiza, no texto enviado ao TSE: “O que se busca com as propostas das Forças Armadas é aperfeiçoar a segurança e a transparência do processo eleitoral, mitigando ao máximo as possibilidades de ataques cibernéticos, falhas e fraudes, que podem comprometer as eleições”. Depois de ressaltar que “a defesa da pátria e a garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem, são as missões estabelecidas pelo povo para as Forças Armadas”, o general conclui: “Por fim, encerro afirmando que a todos nós não interessa concluir o pleito eleitoral sob a sombra da desconfiança dos eleitores. Eleições transparentes são questões de soberania nacional e de respeito aos eleitores”.

A “intervenção” militar no processo eleitoral é benéfica e não merece críticas preconceituosas, sobretudo da oposição. Não adianta fazer birra infantil, como já ensaia o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que imediatamente protocolou um pedido para que o ministro da Defesa explique a nota oficial ao TSE. A iniciativa parlamentar é inútil. O texto do general Paulo Sérgio é autoexplicativo. Na verdade, o que necessita de uma explicação lógica é o comportamento do establishment, da oposição e da Justiça Eleitoral, sempre reacionários a debater, abertamente, a importância e necessidade de aprimorar o sistema eleitoral.

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