Tiradentes foi enforcado, mas o ‘quinto dos infernos’ continua no Brasil, que ainda luta por liberdade

Em plena pandemia da Covid-19, com empresas quebrando e alto desemprego, a Receita Federal comemorou recorde na arrecadação de impostos de março e do trimestre, as maiores da série histórica

  • Por Jorge Serrão
  • 21/04/2021 13h59
Adão de Souza/Prefeitura de Belo Horizonte Estátua de Tiradentes na praça de Belo Horizonte que leva o nome do herói da Inconfidência Mineira Estátua de Tiradentes em praça de Belo Horizonte que leva o nome do herói da Inconfidência Mineira

Se Tiradentes ressuscitasse neste 21 de abril e conferisse o noticiário, ficaria chateado com a “comemoração” oficial da Receita Federal, ao informar que os dados da arrecadação de março e do trimestre são os maiores e melhores da série iniciada em 1995. O Leão mordeu (ops, faturou) R$ 137,932 bilhões. Na comparação com março de 2020, quando a arrecadação foi de R$ 116,410 bilhões, houve aumento real (descontada a inflação) de 18,49%. Parem as máquinas de calcular! Não parece que tem algo estranho? Super arrecadação em tempos pandêmicos? O terror sanitário e econômico do Covidão começou, justamente, em março de 2020. O resultado ”positivo” indica três coisas. Primeiro, que nossa máquina do fisco é azeitadíssima. Segundo, como alguns economistas suspeitam, que estamos passando pela maior concentração de renda da história — o que beneficia a arrecadação via recolhimento compulsório de impostos. Terceiro, que o Brasil continua sendo o “quinto dos infernos” em termos tributários e fiscais.

O feriadão de Tiradentes é a data justa e perfeita para lembrar que a revolta contra impostos (elevados e abusivos) sempre esteve presente nas mais importantes revoluções ao longo da História da humanidade. A Revolução Inglesa (1689), A Revolução Americana (1776) e A Revolução Francesa (1789) tiveram, como uma das causas, a explosão popular contra o excesso de tributação interna ou contra a tributação imposta pelo império sobre a colônia. Nossa fracassada Inconfidência (ou Conjuração) Mineira (1789) foi resultante da bronca da elite da época contra a tributação abusiva. Uma das principais motivações para o surgimento do anseio por liberdade política no Brasil Colônia foi a cobrança, pela Corte Portuguesa, de imposto de 20% sobre o ouro explorado no país. A taxação ficou conhecida pela famosa expressão lusitana “o quinto dos infernos”. Imposto considerado extorsivo. O agravante: naquela época, por aqui, já sofríamos com a corrupção generalizada e com um governo autoritário e repressor.

Os principais planos dos inconfidentes das Minas Gerais eram: estabelecer um governo republicano independente de Portugal. Criariam manufaturas no país. Implantariam uma universidade em Vila Rica. A Capital Republicana, por ironia, seria em São João “del-Rei”. O primeiro presidente seria Tomás Antônio Gonzaga. Depois dele, ocorreriam eleições. Pena que deu tudo errado. O movimento foi dedurado porque, no meio dos revoltosos, havia gente com “rabo preso”. Os devedores de impostos traíram seus ideais em troca do perdão de suas dívidas com o “Leão” da época. Em 15 de março de 1789, antes que virasse revolução, a revolta mineira foi delatada aos portugueses por três oportunistas: coronel Joaquim Silvério dos Reis, tenente-coronel Basílio de Brito Malheiro do Lago e o luso-açoriano Inácio Correia de Pamplona. Vale repetir: Os três foram dedos-duros em troca do perdão de suas dívidas com a Real Fazenda Portuguesa. E, como costuma acontecer na História, o Poder Supremo em vigor sempre encontra um bode-expiatório para servir de exemplo. O rigor seletivo recaiu sobre Tiradentes — que se tornaria nosso herói nacional. Em 21 de abril de 1772, a Rainha Maria (a Louca) ordenou que ele fosse enforcado, decapitado e esquartejado.

O espírito de Tiradentes só deve estar feliz com uma decisão, em favor da liberdade, tomada ontem, 20, pela juíza Regina Lucia Chuquer de Almeida Costa de Castro Lima. A titular da 6ª Vara da Fazenda Pública do Rio de Janeiro suspendeu decretos da prefeitura carioca que estabeleceram medidas restritivas para frear o avanço da Covid-19, cometendo abuso de autoridade. Assim decidiu a magistrada: “Nem mesmo uma pandemia gravíssima como a vivenciada na atualidade autoriza o cerceamento da liberdade individual de cada cidadão carioca, ao argumento da possibilidade de transmissão acelerada da doença ou mesmo da falta de vagas em hospitais”. A sábia e correta decisão é uma vitória — mesmo que parcial — da garantia da liberdade, do respeito aos direitos fundamentais e dos valores da civilização.

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