Fechar o comércio para conter a Covid-19 é transferir responsabilidades
Governantes mandam fechar o comércio sem certeza de resultados, e decisão alimenta uma cobrança que se tornou lugar comum em todos os municípios e estados
O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação está fazendo um estudo inédito sobre o comportamento do novo coronavírus durante a transmissão. O ministro Marcos Pontes conta em detalhes que a proposta é avaliar como se dá esta alta capacidade de transmissão e, principalmente, elaborar novas regras. O estudo em andamento de forma discreta vai indicar qual é o perfil de cada atividade neste contexto e como reduzir ou mesmo evitar que a transmissão aconteça. Regras podem ser escritas para funcionamento de bancos, de restaurantes, transporte coletivo, supermercados e outros setores. Por enquanto é estudo e avaliação, mas pode se transformar em regra de funcionamento, substituindo o já tradicional lugar comum de fechar tudo de forma indiscriminada. O que assusta neste processo é que só agora uma avaliação assim é levada a sério. Os trancamentos, lockdowns, toques de recolher e recolhimentos foram em vão, sem sustentação por falta de comprovação prática.
Os gestores aprenderam a lidar com as manchetes, antes nos jornais e agora nas agências de notícia e plataformas digitais. “Enquanto isso, prendam os suspeitos de sempre” é uma frase antiga para mostrar que os jornalistas devem ser alimentados com a ração diária de notícia para não dar a impressão de omissão ou mesmo da situação de inferioridade. Esta frase é de 1942, do clássico Casablanca, dita pelo capitão Renault, e soa com certa atualidade. Cura todos os males e justifica ações impensadas, mas que sustenta ações das autoridades. A frase está sendo revisitada e chega agora com a ordem de “vamos fechar a cidade”. É a justificativa para prefeitos e governadores quando não sabem mais o que fazer diante do evidente aumento de vítimas fatais da Covid-19.
A pressão para o presidente Jair Bolsonaro adotar um toque de recolher nacional é muito grande. Seria a obrigatoriedade de prender os suspeitos de sempre que, na prática, significa jogar para outros a responsabilidade do gestor. O presidente aceitou a mudança de postura quanto à vacinação, uso de máscaras, contra aglomeração desnecessária, mas não o fechamento. “Não vai ter lockdown”, bradou o presidente Jair Bolsonaro no dia em que os números mostravam a cara da pandemia, mais de 4,2 mil mortes em 24 horas. Todos esperavam a frase famosa, “prendam os suspeitos de sempre”, ou seja, “vamos fechar o país”. Mesmo em situações extremas, o presidente indica que não vai embarcar nesse mantra que se mostra deficiente, já que mesmo com fechamento prolongado, estados e municípios estão explodindo em casos.
A paralisação total, se houvesse esta possibilidade, funcionaria por um curto espaço, para dar tempo de reequipar hospitais e regrar o atendimento, mas está sendo usado como remédio sem fim. Se houvesse um atendimento ao apelo de reclusão, estaríamos hoje há mais de um ano em casa, com lodo nos dentes, em frangalhos psicológicos e sujeitos a números gigantes de casos da Covid-19. Não mandar trancar, ou seja, prender os suspeitos artificiais, é hoje um ato de coragem, mas como no Casablanca, uma decisão que coloca o governante no alvo dos críticos de sempre.
*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.
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