Moradores presos no fogo cruzado entre polícia e bandido e submetidos às leis de um poder paralelo

Quem vive em comunidades como o Jacarezinho só o faz por pura falta de opções; donos do poder mandam nas casas a serem ocupadas, na venda de gás e até nos namoros

  • Por José Maria Trindade
  • 07/06/2021 13h09 - Atualizado em 07/06/2021 15h36
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Reginaldo Pimenta/Agência O Dia/Estadão Conteúdo - 06/05/2021 Em favela do Rio, morador se esconde atrás de sofá velho na calçada enquanto caveirão da polícia passa pela rua Blindado da Polícia Civil passa pelas ruas do Jacarezinho durante operação na favela carioca

O debate sobre a operação no Jacarezinho, que terminou com a morte de um policial e 27 apontados como bandidos, está invertido. Colocaram a polícia no banco de réus e o crime organizado num véu de proteção. Isso não é a “turma dos direitos humanos”, mas uma inversão da lógica da segurança. Se houve excessos e crimes praticados, que sejam apurados e os responsáveis punidos, levando em consideração o momento, o elevado grau de tensão e a pressão que se coloca sobre quem está sob fogo cerrado. Só quem já se viu nesta situação sabe o que é o instinto de continuar vivo diante do medo. “Medo mesmo que o medo me matasse”, diz a poesia “Lembrai-vos da Guerra”. Hoje, não há uma cidade no país, por menor que seja, que não tenha o seu Jacarezinho. 

São zonas de exclusão. Locais onde a polícia não entra e os caminhos ficam fechados para o Estado. As escolas não funcionam, e é criado um comando especial nas mãos de traficantes ou milícias. Ninguém fala da população sequestrada pelo sistema ilegal. Quem mora nestas regiões não o fazem por opção. Se sujeitam a esta situação por absoluta falta de alternativa. Os donos do poder no setor dominado são a lei.  Mandam nas casas a serem ocupadas, na venda de gás, de bebidas e até no namoro. Os jovens recrutados são empoderados, inclusive, com uso extensivo de armamento pesados e namoradas. É isso mesmo, os chefes definem até namoros em áreas dominadas. Ninguém fala das famílias órfãs de Estado, abandonas a um destino incerto. 

O governante deve tirar do alvo do debate a disputa entre polícia, bandido e direitos humanos e focar nos direitos dos moradores que estão no meio deste fogo cruzado. Não se pode admitir que o único instrumento público que chegue em comunidades isoladas seja o fuzil, o caveirão e o rabecão. A população tem que ser resgatada desta situação. O mais urgente é dar um choque de legalidade. Ocupar legalmente terreno, e o coração dos moradores é a urgência. Por enquanto, fica o flagrante de descaso e abandono. O asfalto e o morro continuam como antítese e a demonstração de que existem brasileiros diferentes na visão dos governos. Mesmo depois da operação, bem sucedida ou não, os moradores continuam seguindo ordens dos dominantes, continuam sequestrados. Todos os municípios tentam não ver o seu Jacarezinho particular, agora com mais cuidado e medo de fazer “uma operação” e comprar briga com outro setor, o Supremo. A atividade policial que sempre foi exposta a um perigo de vida muito grande agora enfrenta um risco jurídico maior ainda.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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