Argentina faz nova intervenção no agro

Governo cria ‘dólar agro’ e tenta incentivar exportações

  • 31/07/2023 09h00
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Eitan Abramovich/AFP - 06/12/2022 O presidente da Argentina, Alberto Fernandez (C), gesticula ao sair no final da cúpula de chefes de estado do Mercosul O presidente da Argentina, Alberto Fernandez

A Argentina criou mais uma taxa de câmbio para tentar incentivar as exportações e conseguir aumentar a entrada de dólares no país. Depois do “dólar soja”, que já foi criado três vezes, e diversos outros, como o “dólar coldplay”, e o “dólar catar“, agora o governo de Alberto Fernández criou o “dólar agro”.

Nos últimos anos, o país tem dado o exemplo do que não fazer na economia e no agronegócio com várias intervenções no mercado. Entre os episódios estão a proibição das exportações de carne bovina, a criação das chamadas retenciones (taxação de exportações) e o congelamento de preços dos alimentos e dos combustíveis. Sobre o futuro da Argentina, as novas eleições e impactos no agro, conversei com Gustavo Segré. Acompanhe:

Por que na sua opinião a Argentina pode ensinar o que não fazer no Agro? Essas intervenções do governo têm afetado negativamente o setor agro por lá e também a economia do país?

Sem dúvida nenhuma. E podemos começar com aquela os dados que você mostrou em relação a uma perda de exportações até 2015. A partir de 2015, é quando ingressa no governo o [Maurício] Macri, que tenta buscar uma normalização daquele intervencionismo do estado que tinha proposto a presidente Cristina Fernández Kirchner na época. Agora, o governo volta a ser, desde três anos e pouco até agora, do populismo de esquerda. O presidente Alberto Fernández, um poste eleitoral da Cristina Fernández, que ocupa a vice-presidência, volta com a mesma temática e essa mesma fórmula, que foi muito errada no passado, volta a dar errado agora.

Hoje, a Argentina tem vários tipos de câmbio. O oficial está em 285 pesos, mas você, eu, nenhum argentino consegue comprar dólares a esse valor. E no caso da moeda da cotação paralela, ou livre como é falada na Argentina, supera os 500 pesos. Como se isso fosse pouco, temos uma problemática de que as exportações, que já estão com dólar muito mais baixo, têm que pagar retenções (taxa) às exportações. Então a competitividade de um produto que era fundamental, essencial e que no passado a Argentina era considerado o graneiro (celeiro) do mundo, desestimula investimentos, desestimula exportações e faz perder muito dinheiro para o país e para os produtores.

E agora, tenta trazer algum dinheiro de recursos de exportação colocando um “dólar agro”, que é um dólar artificial, está entre 300 e 340 pesos, mas que continua pagando retenções. Então o intervencionismo do Estado prova que não funciona e nunca vai funcionar quando o Estado, o governo intervém nessa situação de colocar um dólar artificialmente barato e uma retenção que penaliza o exportador.

Quais as lições que o Brasil deve aprender com o vizinho que vive dias complicados na economia?

É muito complicado porque além do mais, não entra dólares. A Argentina precisa de dólares para honrar os seus compromissos, não está sendo possível, por exemplo, pagar os fretes. A logística de exportação da Argentina e da importação deve estar a cargo porque importa quando é uma exportação argentina e porque exporta quando é uma importação Argentina. Isso não tem dólares, então apela a esse tipo de temática de dólares criados artificialmente também para não liberar o câmbio como deveria e colocá-lo no valor, no patamar, que o mercado da livre oferta e procura determina.

A lição é muito simples: não intervir no mercado por parte do governo. Somente com essa frase, o Brasil pode evitar sérias dificuldades no futuro. Porque uma vez que entrou nessa temática, é muito complicado sair. De fato, quando o presidente Macri ingressou, eu lembro na época que o dólar oficial estava em 9 pesos e o dólar paralelo estava em 16. Na liberação do câmbio, ele se colocou em 13, mas quem queria comprar, comprava e isso favorecia que o exportador tivesse um dólar mais real, mais do mercado mesmo pagando retenções (taxação). Hoje voltou a mesma fórmula do passado, que todo mundo sabe que está errada.

Nos últimos seis meses de governo Lula, o presidente do Brasil se encontrou várias vezes com Alberto Fernandes e parece que eles têm uma afinidade, dado a quantidade de vezes que se encontraram. Você vê nisso algum tipo de risco de o Brasil imitar alguma dessas agendas que estão sendo adotadas na Argentina?

Quando a gente avalia a quantidade de vezes que o presidente Lula se reuniu com o presidente Fernandéz, supera em mais de 20 ministros do Brasil que não tiveram uma oportunidade de tantos encontros com o presidente do Brasil, mais de 20. Mas, esses encontros eram para que a Argentina pedisse dinheiro, ajuda financeira para o Brasil. Não era uma questão de trocar figurinhas pelos erros ou para conselhos, era pedir recursos. Recursos que o Brasil está se mostrando muito educado, mas não vai liberar, para o gasoduto Nestor Kirchner, para financiar as exportações brasileiras que tem hoje superávit comercial com Argentina e para tentar obter recursos para poder pagar os compromissos por exemplo com o FMI.

Então não vejo o risco nenhum de que o Brasil entre nessa temática, até porque, mesmo que o Brasil pudesse pegar algumas das fórmulas argentinas, nenhuma delas deu resultado para que o Brasil com os indicadores econômicos que tem, possa supor sequer em imitá-las e o presidente Lula sabe que a economia Argentina está com um problema muito sério e por isso fica receoso até de ajudar alguém que ideologicamente está muito próximo como, o governo de Fernandéz.

O que você espera da próxima eleição da Argentina, que vai ocorrer nos próximos meses?

Teremos agora eleições primárias em agosto e as eleições presidenciais definitivas em outubro. O que mostram as pesquisas e o que mostra a lógica, que não necessariamente é uma lógica eleitoral, é que o governo hoje, o populismo do Fernandéz deverá perder. O curioso é que em qualquer país sério do mundo, o ministro da Economia que entrega a economia com uma inflação próxima a 150%, com mais de 50% de pobreza e com o mercado financeiro detonado, seria ejetado do cargo. Mas na Argentina, ele será candidato a presidente . E o pior: com uma taxa de imagem de votos possíveis perto de 30%. E aí você fala? “Mas como é possível?” São coisas que não tem explicação. Muitas vezes aí é aquela velha narrativa que o presidente Lula tantas vezes fala de gerar o medo naqueles eleitores que hoje tem uma ajuda social. Mais de 50% da população argentina hoje recebe alguma ajuda social do estado e esse discurso de “olha, você votar na outra opção, você vai perder essa ajuda social”. Então mesmo numa situação muito complicada e de extrema pobreza, essas pessoas continuam votando na mesma possibilidade eleitoral.

Então, imaginamos que não vai ser dessa vez que o governo da Cristina e do Alberto Fernández vai perder. Não sabemos por qual margem e aí a dúvida será quem será o candidato da oposição. Hoje, há dois candidatos: Horacio Rodríguez Larreta, atual prefeito da cidade de Buenos Aires, e a Patricia Bullrich, que foi ministra da Segurança do governo de Macri. E mais à direita, o Javier Milei, que hoje está com 10%, 15% das preferências eleitorais, uma pessoa que vem de fora da política atual, atual deputado, mas que não tem estrutura nacional pelo menos por enquanto.

O que você diria para nossa audiência sobre o que não fazer no agro?

A gente tem que aprender, me refiro ao Brasil, tem que aprender dos erros não somente cometidos pela Argentina mas também pela Venezuela e todos os países que defendem esse programa econômico do socialismo em que prevalece a igualdade social desde que seja todo mundo pobre menos a diligência.

E a dúvida é: como quem vota esse projeto não se toca que está sendo utilizado? Então, o que não deve ser feito está do outro lado da fronteira, a Argentina.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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