China x EUA: Brasil ficará ao lado de quem?
Entenda se futuro do agro está ao lado de uma dessas potências
O secretário de Estado americano, Antony Blinken, esteve na China em uma série de reuniões com diplomatas e com o presidente chinês, Xi Jinping, na primeira visita de um secretário de Estado dos EUA ao país em cinco anos. A visita ocorre em um momento de tensão nas relações entre as duas maiores economias do mundo. Um dia depois do encontro, o presidente americano, Joe Biden, equiparou Xi Jinping a ditadores. Já a China classificou o comentário como “uma provocação política aberta”. O futuro do Brasil e do agronegócio está ao lado de uma das duas potências? Veja a análise do cientista político Heni Ozi Cukier.
Esses encontros entre Estados Unidos e China são uma encenação pública para sinalizar uma melhora no relacionamento, mas nos bastidores da situação está bem pior? Não acho que são uma encenação. Acho que são tentativas reais, concretas de amenizar a tensão, de restabelecer a conversa entre o alto escalão. São medidas diplomáticas para tentar minimizar possíveis danos e a rota para onde os dois países estão caminhando. Mas, as causas desse suposto choque são mais concretas, são reais, são coisas muito difíceis. Não é um simples encontro entre oficiais do alto que vai resolver. Na verdade, nós estamos falando de disputas que vêm se formatando há décadas, são disputas geopolíticas muito maiores. A China, quanto mais poderosa fica, mais relevante, mais ela sente que ela tem vontade de impor o seu ritmo, suas regras no mundo e isso entra em choque com o mundo centrado e governado no sentido de ser liderado pelos Estados Unidos. É inevitável que em algum momento os dois países acabam entrando em algum tipo de conflito. A grande pergunta é: qual vai ser esse conflito? Se é um conflito só econômico, se é um conflito político ou, em última instância, uma guerra armada entre os dois.
É inevitável que a gente chegue a algum tipo de conflito para que exista uma transição. Historicamente, em um momento das relações internacionais no mundo, nós tivemos um país que almejava chegar à posição de poder máximo de liderança tirando o outro que estava naquele posto sem conflitos, sem guerra e isso não é feito amigável. Chegar “então Estados Unidos, agora eu me sinto mais forte, mais poderosa é a minha hora de de sentar aqui nessa cadeira e mandar no mundo”. Isso não vai acontecer desse jeito. Cada um vai tentar resistir, agora nós temos que nos perguntar ou tentar entender quem tem mais poder ou mais força, ou mais capacidade de vencer este confronto militar ou não. O choque entre essas duas grandes potências ao longo da história, nós tivemos momentos onde esse choque não virou uma guerra. A Guerra Fria era exatamente isso, os Estados Unidos contra a União Soviética era uma guerra fria, não virou uma guerra quente. A União Soviética implodiu de dentro e ruiu e os Estados Unidos então ganhou aquele confronto daquele choque. E isso pode acontecer, não necessariamente temos que ter uma guerra. Mas me parece que a China tem uma posição única, muito mais sólida para um país que vai implodir de dentro e aí sim ruir.
O Brasil da era Lula vai ficar mais próximo da China do que dos Estados Unidos? O futuro do agro está ao lado de um desses países ou será possível navegar com esses dois parceiros? Acho que o governo do Lula tem uma tendência ideológica e clara de mais proximidade com a China do que os Estados Unidos. Apesar do Biden ser democrata, ou seja o partido mais à esquerda nos Estados Unidos, ter uma boa relação com o Lula e se mostrado amistoso e aberto ao Lula, o Lula tem até então mostrado que prefere estar junto com os outros países em desenvolvimento, com essas outras potências em ascensão como a China porque ela tem uma relevância muito grande para a economia brasileira e para as nossas relações comerciais no geral. Eu acho que a tendência então é que o Brasil fique mais próximo da China. O Brasil por sua vez tem que estar preocupado e atento a como que é uma relação tão próxima com a China. A China tem demonstrado para o mundo inteiro que a hora que ela se incomoda com certas posições políticas que não estão totalmente alinhadas com as vontades dela, ela está disposta a retaliar comercialmente e economicamente.
Então eu acho que o agro brasileiro e todos os outros setores do Brasil, e a economia do Brasil como um todo, depender somente de uma única potência ou depender somente de um único mercado para sua sobrevivência não faz sentido do ponto de vista estratégico, como qualquer investimento. Você não vai colocar todos os seus ovos numa única cesta. O Brasil precisa começar a prestar atenção nisso o mundo inteiro tá prestando atenção nisso, não só países mas empresas que estão expostas a globalização, à China estão olhando para o risco político dessa exposição. Não vai ser diferente, com o Brasil não deve ser diferente. O agro precisa estar preocupado com os riscos políticos de uma relação tão dependente, tão próxima da China. Isso significa, vamos diversificar e abrir canais para outros mercados, tentar diminuir essa dependência porque se houver uma rota de colisão, se houver um choque entre EUA e China e o Brasil tiver que fazer uma escolha política, é mais natural que o Brasil esteja próximo do Ocidente, próximo de democracias. Claro que tudo é possível, os nossos governantes e quem está no poder vai fazer essa escolha baseado em suas crenças e ideologias, mas mesmo assim, se isso acontecer e o Brasil não tiver totalmente alinhado com a China, ela pode retaliar.
Como o resto do mundo está lidando com essa situação, eu acho que não é inteligente e cauteloso para os nossos negócios aqui não começarmos a ter um plano B, um plano de contingência, um plano de risco, de retirada e de não tanta dependência até mesmo pela questão econômica chinesa. A China passa por um momento econômico bastante delicado, de transformação, um momento onde seus 30 anos de crescimento econômico estão sendo colocados em xeque porque ela precisa fazer uma alteração no seu modelo econômico e isso não é muito fácil de fazer. Nós vemos países chegarem nesse momento e desde então não conseguirem manter a mesma performance, o Japão é um deles, uma economia asiática que chegou em um estágio, estagnou e não conseguiu continuar crescendo. A China tem vários indicadores preocupantes, ou seja, acho que o agro brasileiro ganha muito com a China e isso é importante e é válido. O Brasil tem que continuar fazendo negócios com a China, mas nós temos que prestar atenção para os riscos e permitir uma contenção desses riscos.
Nesta semana, o presidente americano, Joe Biden, recebeu nos EUA o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi. Além do perigo do ataque de Pequim contra Taiwan, a piora da relação entre China e Índia é mais relevante? Devemos [nos preocupar], é óbvio com uma guerra entre China e Índia de escala e proporções mundiais, mas a Índia só vai confrontar a China se a China fizer algo na sua vizinhança, no seu espaço. E hoje, a China não está focada necessariamente em arrumar um problema na região do Oceano Índico ou nas áreas próximas à índia. Ela está muito mais preocupada com Taiwan e com os EUA. Óbvio que para ela estar preocupada com os EUA, ela precisa ter um plano global, onde ela vai influenciar muitas outras regiões do mundo e essa expansão chinesa está entrando em uma zona de preocupação da Índia. A nova rota da seda chinesa, ela atinge de uma certa maneira, cerca a Índia, e a Índia está tentando reagir e responder. O objetivo dos americanos é trazer a Índia para seu lado. Já existe uma aliança que se chama Quad, são 4 países unidos para tentar conter o crescimento chinês. A Índia está incluída, os Estados Unidos, Austrália e Japão. Esses quatro estão se movimentando, os EUA tem acenado cada vez mais para a Índia para ajudar nesse problema com a China. Não acho que a Índia esteja interessada em comprar uma briga com a China por causa dos Estados Unidos, mas ela também não vai deixar se sentir ameaçada ou cercada pela China se a China realmente chegar em uma situação mais delicada. A gente tenta olhar para o que acontece na China em relação à Índia. Porque se a China provocar a Índia, aí sim o Ocidente, os EUA vão ter um grande aliado contra a China e isso pode ser uma medida para segurar o comportamento da China. Uma coisa é a China enfrentar os EUA, outra coisa é ela enfrentar os EUA com Europa, Japão, com a Índia. Quanto mais aliados os EUA conseguirem trazer para perto, mais são as chances de a China não ousar em fazer nada muito fora do comum.
*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.
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