Congresso tenta reverter demarcação de terras indígenas

Senadores e deputados apresentam projetos para garantir direito de propriedade; em Vicente Dutra (RS), 75 famílias de agricultores serão afetadas por demarcação

  • Por Kellen Severo
  • 15/05/2023 10h00
Pedro França/Agência Senado - 02/07/2022 Luis Carlos Heinze Luis Carlos Heinze apresentou um projeto de decreto legislativo para anular o decreto presidencial de Lula

Duas semanas após o presidente Lula demarcar seis terras indígenas, integrantes da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) apresentaram projetos sobre o tema. Na última semana, o senador Luis Carlos Heinze (PP/RS) apresentou um projeto de decreto legislativo para anular o decreto presidencial de Lula. Uma das áreas afetadas pela demarcação de terras está localizada em Vicente Dutra (RS). Lá, agricultores tentam se organizar para reverter a decisão do presidente. Estima-se que 75 famílias de pequenos produtores rurais, um importante complexo turístico da cidade além de parte da área urbana, serão afetadas.

“Entrei na última sexta-feira com um projeto de decreto legislativo tentando sustar o decreto do presidente da República. É difícil, mas vamos pegar a força da Câmara e do Senado para derrubar esse decreto. E mais, o prefeito da cidade [de Vicente Dutra] e os vereadores da cidade, o sindicato dos trabalhadores rurais, a Farsul e Fetag estão tentando montar uma ação para que possam se defender do governo federal que expropriou 70 famílias que não têm para onde ir. Imagina que hectare de terra não será indenizado e a terra lá custou R$ 30 mil por hectare, fora a vida dessas famílias que estão há dezenas de anos em cima dessas terras”, explicou Heinze.

Já a deputada Caroline de Toni (PL/SC) possui um projeto de lei que prevê que toda demarcação de terra indígena receba antes aval do Congresso. O objetivo das medidas é trazer maior segurança jurídica ao agricultor. Confira o que disse a deputada federal: 

Qual é a situação da demarcação de terras indígenas hoje? Hoje temos uma situação muito delicada, onde basicamente os processos de demarcação tramitam na Funai de forma quase unilateral, com os laudos antropológicos, e depois de encerrado esse processo, vai direto para o presidente da República. Ele homologa mediante decreto com assinatura dele e está demarcada, gerando inúmeros problemas. A nossa ideia com o projeto é uma alteração no estatuto do índio para constar que, antes de passar para homologação presidencial, passe pelo Congresso Nacional. É um tema que já foi ventilado por uma PEC [Proposta de Emenda à Constituição], que está parada atualmente, e também para aprovar a PEC precisamos de um quórum muito maior, então esse projeto de lei vem facilitar a tramitação. Além de ter protocolado, eu solicitei um apensamento ao PL 490, que é para fazer com que o Marco Temporal seja finalmente respeitado no Brasil. É um projeto também que está para ser pautado nas próximas semanas na Câmara tendo em vista que a ministra Rosa Weber marcou para o próximo mês de junho essa relativização do Marco Temporal, que tem deixado os produtores rurais preocupados.

Você é de Santa Catarina. Qual o sentimento e situação dos agricultores lá? Houve uma audiência pública que reuniu milhares de agricultores, certo? Sim, mais de mil pessoas nessa audiência pública de cidades como Saudades e Cunha Porã, que nunca tiveram aldeia indígena e tiveram esse processo demarcatório com base em laudo antropológico que foi totalmente questionado na Justiça e derrubaram esse laudo do governo. Fizeram com que essas terras fossem declaradas dos agricultores que estão lá na quinta geração, há mais de 100 anos com os títulos de propriedade. Então, eles ganharam no primeiro grau, no segundo grau, no STJ, só que esse processo de Ibirama [terra indígena Ibirama-La Klãnõ], que o ministro Fachin fez a repercussão geral, puxou o processo desse pessoal e, uma vez que vão relativizar o Marco Temporal, vai fazer com que áreas que nunca tiveram aldeia indígena sejam demarcadas e consideradas território indígena. Assim, vão tirar mais de mil, duas mil pessoas. Em Santa Catarina, calcula-se que 10 mil pessoas serão afetadas. São propriedades que nunca foram de índios e a gente está sofrendo com esse problema.

A realidade de Santa Catarina são pequenas propriedades rurais onde as pessoas têm basicamente agricultura familiar, de subsistência, já temos um problema do êxodo rural, que é algo comum, então imagina essas famílias. A gente viu uma jovem chorando nessa audiência pública dizendo que é a quinta geração da família, a única coisa que ela tem, e está sendo ameaçada de ser tirada da terra. “Então a gente quer que vocês, autoridades, lutem por nós.” É isso que a gente tem feito. Fomos com o governador do estado, Jorginho Mello, fazer reunião com a AGU [Advocacia Geral da União]. O que nos tranquilizou nessa reunião é que o ministro da AGU disse que, das 14 terras indígenas que seriam demarcadas a pedido das ministra dos povos indígenas, iam ser reduzidos para 5 e fomos surpreendidos por 6 áreas agora que o Lula demarcou. E não teve nenhuma em Santa Catarina porque Santa Catarina já está protagonizando esse processo de repercussão geral [do Marco Temporal], que a gente acha que o Judiciário não tem que se meter. Isso é problema do Congresso e também do Executivo. Por isso, passar pelo Congresso vai gerar segurança jurídica para os nossos agricultores.

Há condições de aprovar seu projeto? O processo que está para ser aprovado na Câmara nas próximas semanas é o PL 490 do Marco Temporal. Este o presidente Arthur Lira já se comprometeu com a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), que é a maior frente do Brasil na Câmara Federal e no Congresso, em pautar. Então vamos aprovar nas próximas semanas na Câmara e dar um recado para o STF dizendo que o Congresso quer o Marco Temporal, um recado para que eles parem esse julgamento e respeitem o direito dos agricultores.

Há interlocução entre o Congresso e os ministros do STF? Nós reportamos alguns desses ministros juntos com algumas comunidades indígenas. Ao mesmo tempo, há agricultores tentando aproximação com os ministros para trazer a realidade dos agricultores? O presidente da frente, Pedro Lupion, foi conversar várias vezes com ministros e com a ministra Rosa Weber, mas ela adotou isso como a causa da vida dela antes de sair do tribunal. Então, se alguém pedir vista, por exemplo, ela vai proferir o voto para garantir que vai relativizar o Marco Temporal. Então, nós estamos tendo um problema muito grande de comprometimento de parte dos ministros quererem essa relativização do Marco Temporal, que é uma disposição constitucional, ou seja, só tem direito a terra indígena quem estava na terra até a promulgação da Constituição de 1988. Se a gente tira esse parâmetro seguro, a gente pode voltar até 1500, quem garante que não vai ser relativizado não só o direito dessas pessoas que estão na justiça, mas de todos os brasileiros? Vamos ter que sair todo mundo do Brasil e devolver para os índios. É isso que vai gerar, é essa insegurança jurídica que vai ser gerada pelo Supremo caso eles julguem esse recurso.

Qualquer área poderia ser reivindicada como de posse de índios? Com certeza, porque se você pega um título de terra de mais de 100 anos e diz que ele não vale nada porque as terras dos índios são terras originárias, ou seja, você não respeita o que vem depois, você pode relativizar todo o resto.

Qual sua mensagem aos agricultores brasileiros? O que tem nos preocupado no atual governo é esse desrespeito ao direito de propriedade, com novas demarcações de terras. Nós achamos que não precisa demarcar mais terras, 14% do território já é demarcado para menos de 1 milhão de índios. Aqui em São Paulo, por exemplo, temos 3% do território nacional para 46 milhões de pessoas que habitam. Ou seja, não falta terra, o que falta muitas vezes é política pública para os índios. Vamos enquanto governo dar assistência à saúde, educação, segurança para os índios, que é isso que eles querem. Agora, mais terras para índios não é necessário e não é preciso. Estamos lutando contra isso no Congresso para defender o direito de propriedade dos agricultores e de quem tem um justo título [de propriedade] e realmente produz e movimenta a economia do país, que é a nossa agricultura.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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