Demanda chinesa pela carne bovina do Brasil seguirá aquecida

Em julho, China foi o destino de 66% da exportação de carne bovina brasileira; a Agrifatto consultoria acredita que o Brasil tem espaço para aumentar ainda mais o comércio com o país asiático

  • Por Kellen Severo
  • 22/08/2022 13h19 - Atualizado em 22/08/2022 13h20
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Evandro Leal/Enquadrar/Estadão Conteúdo - 28/10/2021 Pedaços de carne colocados em prateleiras em um açougue no Rio Grande do Sul A China é o maior importador de carne bovina do Brasil. Em julho, 66% de tudo que saiu do Brasil foi para lá

Em meio a crise com Taiwan, a China deve manter aquecida a demanda pela carne bovina do Brasil. De acordo com a CEO da Agrifatto, Lygia Pimentel, um dos motivos que leva a isso é que os chineses estão tendo problemas diplomáticos com a Austrália e os Estados Unidos, mesmo que o Brasil esteja entrando em baixa de ciclo pecuário. Confira a entrevista completa com a CEO da Agrifatto, Lygia Pimentel.

Quais são as razões que você aponta para um eventual embargo da China à carne de países como Austrália? Quais os impactos para o Brasil? Há problemas políticos. Recentemente, o governo australiano se posicionou parcialmente favorável à questão de Taiwan, a gente entende o ciúme da China em relação ao território e a China sinalizou em sua mídia uma retaliação de algum sentido. Isso é o que a gente levantou com fontes que comercializam carne da Austrália para a China, tanto é que a notícia, em algumas horas, foi até desmentida. Houve o retorno dos embarques muito rapidamente após um mal entendido entre um comunicado da alfândega chinesa e os importadores de carne chineses, que pararam de importar e em algumas horas retomaram as importações juntamente aos exportadores australianos. Eles também, assim como nós, têm algumas dificuldades na transmissão das informações. A gente às vezes se sente órfão aqui da tradução do mandarim para o português intermediado pelo inglês, lá eles também têm alguma coisa parecida. Então, houve algum ruído em relação à interpretação dos comunicados que foram emitidos, mas o embarque rapidamente foi retomado. Pelo que a gente conversou, parece que a sinalização foi política, e a gente sabe que isso eventualmente acontece. Obviamente que se houvesse um problema sanitário com a Austrália, eles teriam que sofrer sanções certamente, assim como aconteceria conosco e qualquer outro país pela gravidade comercial da infecção pelo vírus da febre aftosa.

Qual o seu cenário base para o curto e médio prazo levando em conta esses aspectos que a gente colocou sob a mesa? Eu já vou antecipar o que seria a conclusão. A gente tem situações pontuais já vivenciadas que mostram o risco que representa a concentração sobre a China como nosso maior importador. Em julho, 66% de tudo que saiu do Brasil foi para a China, ou seja, há uma exposição grande. Então, qualquer problema, pedra no caminho com a China, como já aconteceu no passado, certamente vai trazer efeitos negativos para a formação de preços domésticos aqui no Brasil. Os pecuaristas costumam perguntar se a gente não deveria estar focado em outros mercados para evitar isso ou diluir esse risco. É claro que sim, nós temos feito isso. A gente abriu vários mercados desde 2015 para cá, que foi quando a gente liberou a exportação diretamente para a China, para a China continental, então a gente pode citar vários países. O último, que é muito interessante e eu vou explicar o porquê, é o Canadá. Então, às vezes a gente pode pensar em subestimar o Canadá como os Estados Unidos, mas quando a China saiu [do mercado] no último trimestre do ano passado, os EUA se tornaram nosso maior parceiro comercial nesse período. Nós temos diluído em outros mercados esse risco.

Agora não há como comparar qualquer outro país em termos de consumo e mercado consumidor, potencial consumidor, com a China. A China é um mercado de quase 1,5 bilhões de habitantes, é muita coisa. Qualquer crescimento de aquecimento pequeno do consumidor chinês em relação à carne bovina, vai se estabelecer como um grande tsunami em termos de consumo. Nós já vivemos isso, quando a peste suína africana dizimou o rebanho suíno chinês, chegou quebrar praticamente 40% do contingente, e eles saíram habilitando plantas mundo afora, especialmente no Brasil, por sermos grandes fornecedores, e isso gerou uma onda de alta justamente na fase de alta de ciclo pecuário, um contexto doméstico que a gente tinha também de falta de oferta e os preços subiram bastante, vivemos isso em 2020 e 2021. Daqui para a frente, nós estamos entrando em baixa de ciclo pecuário, e a China deve continuar levando carne bovina daqui pra lá. Por quê? A Austrália tem um problema político com eles, os Estados Unidos agora também. A gente sabe da visita da Nancy Pelosi a Taiwan e isso gerou conflito diplomático – que por sinal a gente não vê ser tão criticada como algumas falas do governo federal aqui no Brasil que também foram duramente criticadas lá atrás. Então a gente não sente uma isonomia de tratamento quando há conflitos políticos muitas vezes.

É interessante a gente lembrar do contexto nacional produtivo norte-americano, que também é um fornecedor chinês, apesar da diferença de preços que eles têm no mercado deles, que é mais consolidado em termos de branding, de marca. Os Estados Unidos estão em fase contrária, entrando em alta de ciclo pecuário. Eles vivenciam um cenário inflacionário generalizado, principalmente pela questão dos combustíveis e distribuição de renda, e a carne está subindo, um ambiente similar ao que vivemos em 2021, por exemplo. E o aumento do preço da carne está combinado à fase de alta do ciclo pecuário e liquidação de fêmeas. A gente tem visualizado um aumento da participação de fêmeas nos confinamentos norte-americanos. Ou seja, o mercado está ruim há um tempo, vão abater mais fêmeas porque não está legal a rentabilidade, não estão interessados em produzir bezerro ou aumentar a produção e agora vem o reflexo dessa ação e desse mal cenário que eles vivenciaram no passado. Para fazer mais um contraponto a essa análise, a JBS, que tem uma exposição no mercado norte-americano, compôs seus resultados operacionais divulgados nos seus balanços trimestrais do ano passado, muito focado na renda dos EUA, na operação norte-americana e não na brasileira. Ou seja, lá eles vivenciavam um momento de matéria prima mais barata, potencializando o ganho da indústria e agora isso vai se reverter. Agora é fase de alta lá e a China vai fazer o que? Lá está caro, vamos negociar um pouco mais com o Brasil, vamos dar uma favorecida no mercado brasileiro que está mais competitivo.

Com esse contexto você enxerga viés de alta apesar da mudança no ciclo pecuário? E como fica para o consumidor? Em relação ao varejo, o que acontece é que no ano passado e retrasado o boi subiu mais rápido do que a carne no varejo. Isso acontece mesmo porque os grandes choques de preços acontecem por conta da oferta. Então eu preciso de boi, eu compro boi e o boi sobe muito rápido. Até eu colocar isso no varejo, acontece de maneira mais lenta, então o varejo não vai derrubar de maneira substancial o preço da carne, porque ele precisa recompor as margens desse produto. Isso acontece sempre, a gente dificilmente vê a carne cair. Apesar de que quando sobra carne, a gente vê promoções no fim de semana. Mas se pegar de maneira mais generalizada, na média do mês, vai ser mais difícil a gente observar esse recuo do varejo, talvez pare de subir.

Em relação ao que pode acontecer com os preços daqui para frente, hoje temos escalas longas, as escalas médias do Brasil estão girando em torno de 12 dias, isso da escala até o fim de agosto. Se acontecer de não se comprar mais nada daqui para frente e é difícil porque a gente viu paralisação de plantas frigoríficas, a gente colocou mais boi em menos operações, em menos plantas de abate, isso aumenta as escalas naturalmente e continua pressionando os valores. Mas assim que as escalas enxugarem, a gente visualiza alguns pontos: julho e agosto foram meses ruins e a gente já vê intenção de confinamento menor em novembro. Segundo: corrida eleitoral começou oficialmente e sempre distribui dinheiro e a gente sabe disso. Terceiro: a melhoria dos indicadores econômicos – principalmente desempregos e inflação, a gente nota até uma deflação sendo registrada nos últimos levantamentos nas últimas divulgações – isso deve começar a fazer surtir efeito daqui para frente. A economia sempre se comporta como um grande transatlântico no oceano, para mudar de direção, a gente precisa de direção e de tempo para sentir.

Quais os efeitos das férias coletivas da JBS para a pecuária nacional? Algumas plantas já sugeriram que devem voltar nos próximos dias, algumas outras, por exemplo, como Tucumã (PA) nos deixaram mais preocupados. O fato é que foram plantas pontuais sendo paralisadas. Então para efeito de comparação, pega 2017 em que a JBS teve que paralisar todas as suas plantas, é um efeito menor e regionalizado. Mas, nessas regiões o que acontece é que sobra mais cabeças prontas para serem abatidas e menos plantas, então as escalas de abate naturalmente se alongam e os preços ficam ainda mais pressionados. Nós visualizamos isso de fato nos levantamento de escala que estavam começando a encurtar, houve a paralisação e elas começaram a aumentar. Essas plantas foram paralisadas em praças de estados de pecuária representativa, então acabou surtindo efeito no mercado com um todo e esse é o efeito: aumento de escalas e queda de preços nesse primeiro momento e isso precisa ser enxugado, então o mercado continua pressionado.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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