Demarcação de terras indígenas: 500 famílias de pequenos agricultores podem perder suas propriedades em SC

Recentemente, a ministra dos Povos Originários, Sônia Guajajara, sinalizou que mais de dez áreas do Brasil estão prontas para serem demarcadas; ‘Ela desconsidera o agricultor’, afirma Valdir Colatto, secretário estadual de Agricultura

  • Por Kellen Severo
  • 27/02/2023 09h00 - Atualizado em 27/02/2023 12h37
Reprodução/Jovem Pan News Frame do programa Hora H do Agro Hora H do Agro recebeu Valdir Colatto, secretário de Agricultura de Santa Catarina

Nas últimas semanas, a ministra dos Povos Originários, Sônia Guajajara, tem afirmado que mais de dez áreas estão prontas para serem demarcadas como indígenas no Brasil. De acordo com o secretário de Agricultura de Santa Catarina, Valdir Colatto, mais de 500 famílias no Estado poderão ser afetadas caso a demarcação de terras ocorra. “Se o marco temporal for aprovado, todas as áreas com algum tipo de estudo levarão em conta a imoralidade e o direito originário de você tornar essas terras indígenas. Como a ministra está falando alegremente, ela está desconsiderando sem qualquer critério a população brasileira, o agricultor que está produzindo, apenas criando mais áreas”, disse Colatto. Confira abaixo a conversa que tive com ele.

Por que há preocupação com essas áreas que podem ser demarcadas?
Além da área Morro dos Cavalos, que corta a BR-101, nós temos um problema muito sério: de 196 hectares passa para 2.004 hectares, onde teremos dificuldades imensas até para a área urbana. E para a passagem desta área, está se propondo fazer um túnel que custa R$ 300 milhões, que foi bloqueado pelo TCU e está com impasse na duplicação da BR-101 em Palhoça, perto da capital Florianópolis. E outra em Abelardo Luz, com 1.884 hectares, que são agricultura 100% e também atinge parte da área urbana de Abelardo Luz. Na verdade, nós temos dez áreas listadas em Santa Catarina e isso representa 52 mil hectares, que, para Santa Catarina, onde há pequenas propriedades com média de 50 hectares — com 95% das 375 propriedades do Estado —, o impacto é muito grande na produção e no social, porque são pequenos produtores que estão nesse processo e precisam ter um cuidado especial. Nós estamos trabalhando com esse processo, o procurador-geral da do Estado já entrou em ação no Supremo Tribunal Federal, e aí está a decisão do marco temporal. Porque se o STF decidir pelo marco temporal, ou seja, que as áreas demarcadas de 5 de outubro de 1988 para trás serão reconhecidas como indígenas, e as outras não… Se o marco temporal for aprovado, todas as áreas com algum tipo de estudo levarão em conta a imoralidade e o direito originário de você tornar essas terras indígenas. Como a ministra está falando alegremente, ela está desconsiderando sem qualquer critério a população brasileira, o agricultor que está produzindo, apenas criando mais áreas. Temos 14% de áreas [indígenas] do [território do] Brasil, se houver a derrubada do marco chegaremos a 30% do território brasileiro. Para se ter ideia, Santa Catarina tem 1,13% do território brasileiro, então seriam 30 Santa Catarina para meio milhão de indígenas, cuja população, metade está na cidade.

Essa homologação pode acontecer nos próximos meses? Quantos agricultores serão impactados?
Nestas dez áreas anunciadas, foram duas áreas em Santa Catarina. Nós temos, nessas duas áreas, cerca de 500 famílias, que são produtores que produzem milho, arroz, soja, suínos, aves e leite. E pega áreas urbanas que podem se tornar indígenas, que não sabemos exatamente quanta gente impacta, mas deve impactar muita gente nessas áreas pré-demarcadas.

Essas famílias seriam indenizadas?
Há um conceito de que se as áreas forem reconhecidas indígenas, elas voltam às origens. Então, são propriedades dos indígenas, são concessões para os indígenas porque são terras ditas devolutas que pertencem à União. [As famílias] Não têm direito à indenização, a não ser as benfeitorias e aquelas que, segundo eles, foram construídas de boa-fé. São áreas com mais de 100, 150 anos de escritura pública dada pelo Estado e que pode se tornar indígena. Na verdade, teria que, se você for ver legalmente, o Estado indenizar os agricultores porque hoje essas áreas são propriedades do Estado. Áreas que os agricultores estão produzindo, e a notícia de que poderiam ser transformadas em terras indígenas, embora estejam ajuizadas e a nossa procuradoria e o Estado estejam nessas ações como amicus curiae (expressão latina utilizada para designar parte que ingressa no processo com a função de fornecer subsídios ao órgão julgador), eles entendem que, anunciada a área, começa a invasão ou pressão em cima dos produtores. “Olha, se você não der parte da colheita, você não vai colher. Se não dividir conosco, você não terá condições de plantar.” Então tem esse processo que estamos com dificuldade de fazer colheita em algumas áreas anunciadas pela ministra como provável homologação de terras indígenas.

Onde isso está acontecendo?
Uma das áreas que está sendo anunciada como provável criação de terra indígena está em Abelardo Luz, onde há esse conflito há muito tempo. Os indígenas entraram em uma área, depois saíram e estão nas margens dessa área, fazendo esse tipo de chantagem. Se não deixar parte da produção ou se não nos der certa quantidade da colheita, vamos impedir que seja feita a colheita. Esse conflito acontece há alguns anos e se agudizou pela notícia que chegou de que a ministra está anunciando que será homologada como área indígena.

Como o Estado de Santa Catarina pretende resolver essa situação?
Nós estamos trabalhando e o governador [Jorginho Mello] e procuradores estão se envolvendo para que haja uma conciliação, para que esses indígenas e agricultores possam chegar a um acordo. Mas o entendimento é difícil, os indígenas entendem que as terras originárias são deles, há ONGs e pessoas insuflando essa discussão, esse conflito. É difícil chegar a uma conclusão. Na verdade, a decisão é mais da Justiça do que qualquer trabalho de buscar conciliação através do diálogo.

Há alguma reunião do setor agro ou do governo de Santa Catarina no STF?
Estamos trabalhando junto com a CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), a Procuradoria-Geral do Estado e o próprio governador se empenhando para conversar com a ministra Rosa Weber. Todos nós estamos em uma angústia para que haja uma solução. O que estamos pedindo é para postergar essa decisão até que se encontre uma solução. O governador está até oferecendo outras áreas para que se assente os indígenas, se é que precisam de áreas. Em Santa Catarina, nós temos terras que podem abrigar facilmente nossa população indígena, então estamos tentando ver esse trabalho nas ações jurídicas. O Estado formou um grupo de procuradores para acompanhar, e nossa luta é junto ao STF e apelando ao mundo político para que entre nessa discussão, na busca por solução, que não tem outra saída a não ser essa. Se um conflito for instalado, não sabemos quais serão as consequências. O diálogo é importante. O governo atual tem uma visão diferenciada da questão indígena, da propriedade privada… Na verdade, o que precisamos é que o produtor tenha a segurança jurídica e ele seja blindado desses problemas. Ele quer produzir, não ficar com conflito de terras e meio ambiente. E espera que o governo lhe garanta o direito de propriedade.

Se o tema for ao plenário do STF agora, a chance de haver suspensão do marco temporal é grande?
Pela posição das decisões do STF nessa área da questão fundiária, nós tememos que haja uma decisão contrária ao direito de propriedade, ao respeito à Constituição e ao respeito ao agricultor de continuar trabalhando. O problema dos indígenas não é a terra, eles precisam de atendimento, cidadania, precisam trabalhar e produzir, que é o que está sendo feito em Santa Catarina. Em Santa Catarina, os índios se tornaram agricultores, estão plantando e produzindo em parceria com cooperativas. As cooperativas oferecem os insumos e eles produzem, depois as cooperativas comercializam e esse processo está indo muito bem. Mas tem muita gente tentando atrapalhar. Infelizmente, nós temos hoje a produção em Abelardo Luz que o Ministério Público bloqueou e está depositada em cooperativa. E eles não podem comercializar porque o entendimento do MP é que áreas indígenas não podem produzir, tem que ser ambientalista, pois considera as áreas de preservação permanente. Os índios querem produzir, mas o MP entende diferente, que não pode fazer isso e que a área indígena e de preservação não pode ter atividade agrícola.

Se o marco temporal deixar de existir, quais os efeitos teria?
Hoje, cada indígena, pelas áreas que temos, 119 milhões de hectares, que são 621 áreas, teria 400 hectares por indígenas, que são em torno de 800 mil e 50% estão na área urbana. Se o marco temporal cair, são 487 áreas reivindicadas. Seriam mais de 120 em estudo, 600 áreas que aumentariam mais de 117 milhões de hectares. Então a gente teria cerca de 30% da área do Brasil, 240 milhões de hectares. Cada indígena do Brasil teria cerca de 900 hectares.

O que a população brasileira tem que saber sobre este tema?
Nós temos uma PEC 215 que há muitos anos tentamos aprovar, é permitir que se faça agricultura nas terras indígenas e parcerias de terras indígenas dentro do processo de produção. Espero que isso aconteça. Além disso, temos que trabalhar fortemente para sensibilizar a sociedade de que os indígenas são brasileiros. Nós temos que trabalhar uma legislação que permita que os indígenas mantenham sua cultura, mas que eles sejam cidadãos brasileiros e possam trabalhar e produzir. É o que a maioria quer fazer e certas ONGs, que têm outros interesses, não permitem.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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