STF deve julgar marco temporal de terras indígenas no dia 23 de junho
Sem o marco temporal, qualquer área eventualmente reivindicada por uma comunidade indígena poderá ser demarcada e os títulos de propriedade privada declarados nulos sem indenização
Está marcado para 23 de junho, daqui a um mês, o julgamento do marco temporal das terras indígenas no plenário do Supremo Tribunal Federal (STF). O marco temporal estabelece que índios podem contestar demarcações de terras para áreas que estavam ocupadas por eles até a promulgação da Constituição em 1988. A Corte retomará o julgamento, que está com placar empatado, com 1 voto favorável à manutenção do marco temporal das terras indígenas, dado pelo ministro Kassio Nunes, e outro contrário ao marco temporal, do ministro Edson Fachin. A expectativa é de um placar apertado, já que o tribunal está dividido sobre o tema. É bom destacar que não é esperado o fim do julgamento já agora em junho, a discussão pode se arrastar pelos próximos meses com longos votos dos ministros e até pedidos de vista, ou seja, tempo maior para avaliar o assunto.
Se o STF decidir pelo fim do marco temporal, a área prevista para terras indígenas no Brasil saltaria de 14,1% do território nacional para 27,8%, podendo alcançar mais de 236 milhões de hectares, de acordo com estudo do Instituto Pensar Agropecuária. Um dos efeitos mais preocupantes seria em relação à garantia da propriedade privada. De acordo com Rudy Ferraz, diretor jurídico da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, qualquer área eventualmente reivindicada por uma comunidade indígena poderá ser demarcada e os títulos, as propriedades, serão declaradas nulas, não terá nenhum tipo de direito de indenização. A insegurança jurídica atingiria não somente o campo, mas também a cidade. Estimativas de juristas apontam para longos meses de discussão sobre o tema. Torcemos para que os ministros da Corte tenham bom senso e não revejam uma regra bem sucedida e que há décadas garante estabilidade social e jurídica neste âmbito ao país. Acompanhe a entrevista completa com o diretor jurídico da CNA, Rudy Ferraz, ao Hora H do Agro:
Quais são suas expectativas para a data do julgamento do Marco Temporal e por que isso importa para o agro? Esse processo está marcado para ser retomado em 23 de junho no plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), sendo o terceiro item da pauta nesse dia. Nossa expectativa é que, por ser um processo muito longo, que nós já vimos no início do julgamento, com quase quatro sessões de sustentações orais, relatório, votos do ministro relator, dificilmente esse processo irá ser julgado no próprio dia 23. Por ser o terceiro item da pauta, também há esse fato de que vai ter julgamentos que vão anteceder esse processo, a possibilidade de ser julgado diminui significativamente tendo em vista essas condições.
É importante relatar que [o julgamento] iniciou ano passado, está um a um, um para declarar o marco e o outro declarando a ausência do marco para essas demarcações. Se eventualmente a tese que foi levantada pelo relator, ministro Edson Fachin, prevalecer no STF, teremos grande impacto na sociedade, porque não teremos previsibilidade sobre os títulos de propriedade. Ou seja, qualquer área eventualmente reivindicada por uma comunidade indígena poderá ser demarcada e os títulos, as propriedades, serão declaradas nulas, não terá nenhum tipo de direito de indenização. Isso, sim, vai causar insegurança jurídica a todo e qualquer cidadão, seja no campo ou cidade. Há preocupação desse voto do ministro Fachin prevalecer no plenário.
Qual será o impacto do fim do marco temporal? Nós temos hoje 14% dos territórios demarcados, homologados, temos alguns processos que estão em trâmite e algumas reivindicações pendentes ainda de demarcação. Se isso eventualmente avançar [fim do Marco Temporal] no Brasil, nossa expectativa é que quase dobre essa área [indígena]. Temos 620 reivindicações hoje em curso e efetivamente sobre uma área em que há ocupação centenária, e isso vai refletir em áreas e produção de alimentos. É o que nos causa preocupação, a queda do marco temporal, porque são áreas na região Centro-Sul no país, onde há ocupação centenária. Por isso a importância do marco temporal, para garantir a produção dessas áreas que estão produzindo há muitos anos, muitos séculos.
Qual é a tendência de voto de cada ministro? Existe o risco do marco temporal deixar de existir? Esse é um julgamento extremamente polêmico e, para mim, o mais polêmico é efetivamente o que o setor enfrentou no STF e o próprio placar, de 1 a 1, indica que o plenário está bastante dividido, o que indica um longo julgamento. Normalmente, nesses julgamentos de alta complexidade, é muito comum o pedido de vista, como o ministro Alexandre [de Moraes] fez para justamente avaliar os laudos, soluções jurídicas de interpretações constitucionais que podem vir da questão do marco temporal. Então, nossa perspectiva é de fato um placar apertado, tendo em vista que o tribunal está muito dividido com o tema, seja pelas manifestações anteriores dos ministros, seja também pelas posições das vezes dadas em processos de temas correlatos, o que nos indica é um julgamento que vai demandar algumas sessões no Supremo Tribunal Federal. Dificilmente nesse semestre esse tema vai ser concluído.
Que tipo de impacto teríamos em empregos e alimentos sem o marco temporal? Os empregos que nós vamos deixar e a produção é um impacto gigantesco, todas essas reivindicações, que são os pontos em roda, não querem dizer que aquela área será delimitada, mas que ali tem um processo em que efetivamente pode ser demarcada uma terra indígena, que se tirar uma média hoje, são 10 mil hectares, 20 mil hectares, 100 mil hectares, 200 mil hectares, quase um milhão de hectares de muitas terras indígenas. Um ponto rosa desse [mapa] pode ser uma área gigante em volta e em áreas com alta produtividade de alimentos.
Então, empregos vão deixar de ser gerados, o impacto para a produção de alimentos vai ser gigante, tanto para o Brasil como para o mundo. Por isso a importância desse marco temporal. O marco temporal não quer dizer que vamos retirar o direito do índio, mas reconhecer o título de propriedade do produtor rural, e se o governo eventualmente quiser promover esse processo de demarcação, que compre do produtor e indenize previamente. Agora, não tome, não retire sem nenhum tipo de indenização. Nós não estamos retirando o direto do índio, apenas condicionando que você implemente um direito sem tirar o outro, que é o do produtor rural.
Se o julgamento se estender até setembro, quando teremos uma mudança na presidência do STF, podemos ter algum revés nessa discussão? O processo está pautado para o dia 23. Como eu mencionei, acredito que dificilmente nós consigamos reiniciar esse julgamento ainda neste semestre, tendo em vista que é o terceiro item da pauta numa quinta-feira do plenário do STF. Isso quer dizer que vem um acúmulo de julgamentos nesse dia e dificilmente pode ser iniciado. A gestão do presidente ministro Luiz Fux segue até setembro desse ano e compete ao presidente do STF marcar o dia e hora para reinício do julgamento do marco temporal. Então, tendo em vista que só terá um mês, o mês de agosto, e dada a complexidade do processo, que não é em uma sessão que ele será concluído e é comum ter vários pedidos de vista – e é comum em processo de alta complexidade vários ministros requererem vista.
E em setembro, a ministra Rosa [Weber] entra na presidência do Supremo e não sabemos quais serão as pautas prioritárias que ela vai colocar no tribunal, tendo em vista que teremos um processo eleitoral em outubro e a polêmica do tema. Então, deve ficar para depois do processo eleitoral, tendo em vista esses fatores. Nossa expectativa é que se eventualmente for retomado esse julgamento, acredito que seja após setembro, após a posse da ministra Rosa Weber se o processo efetivamente não for julgado no dia 23.
Se tiver uma decisão do STF de revogar o marco temporal, o legislativo pode revisar essa decisão? Uma declaração eventual sobre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade do marco temporal pelo Supremo Tribunal Federal nesse julgamento não vincula o Poder Legislativo, que tem a competência própria que é oriunda da própria Constituição de criar leis, marcos e regulatórios para dispositivos efetivamente dispostos no texto constitucional. E há, sim, projetos de lei em tramitação em estado já avançado no plenário da Câmara dos Deputados, que é o PL 490, que pega o entendimento consolidado do Supremo Tribunal Federal em relação ao marco temporal e aplica na lei. Ou seja, ele vai regulamentar o que o Supremo decidiu 10 anos atrás. O Executivo já fez através de um parecer vinculante da Advocacia Geral da União.
*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.
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