Europa congela preços dos alimentos nos supermercados; entenda os efeitos para o agro
Na última semana, UE aprovou lei antidesmatamento que proíbe a importação de produtos agrícolas de área de desmatamento legal e ilegal; se sem a lei estar em vigor a situação já está assim, como vai ficar quando a lei começar a valer?
Uma reportagem do jornal Financial Times revelou nesta semana que políticos europeus estão controlando os preços dos alimentos diante de uma disparada no custo de vida na Europa. A matéria afirma que, apesar dos preços mais baixos da energia, o crescimento do custo dos alimentos continuou a disparar. Países da Europa central e oriental, como a Hungria e a Croácia, passaram a limitar o custo dos produtos essenciais.
Esse congelamento de preços acontece em um momento em que a Europa tem apostado em uma série de leis ambientais que aumentam as exigências para os países que exportam alimentos para eles. Uma delas é a lei antidesmatamento, que proíbe a entrada de produtos agrícolas provenientes de área de desmatamento legal e ilegal após dezembro de 2020. Se sem essa lei estar em vigor a situação já está assim, como vai ficar quando começar a vigência da lei? Conversei sobre o assunto com o presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), Caio Carvalho, confira:
O que está acontecendo na Europa? É inacreditável, mas eu devo dizer que na década de 1970, quando tivemos a crise do petróleo e foi inflação para todo lado, os europeus mexeram e tentaram congelar preços e trabalhar com preços. Naquela época, eles perceberam que era uma bobagem, assim como o Brasil demorou para perceber.
O que está havendo é uma guerra entre governo e varejistas. Por exemplo, o varejista internacional diz que compra o açúcar por 1,35 euro o quilo e é obrigado a vender a 0,85, porque você não congela o preço do produtor, você congela no consumidor. É inacreditável, mas é de fato uma guerra instalada. Eles adoram isso, eu acho que agora passaram a gostar muito disso, mas é um horror essa discussão que ocorre desde os anos 1970.
Sobre a lógica da proteção aos mais vulneráveis, eles estão agindo como Cuba costuma fazer. A Grécia limita a margem dos varejistas, ela diz qual deve ser a margem. Na Espanha, ela corta imposto, que é o IVA, ela corta o imposto sobre alimentos. Vamos dizer que é o menos agressivo sobre a lógica de mercado. Ela tá cortando na própria pele. E a Áustria está regulando o preço. É inacreditável, mas é real.
Na última semana, falamos sobre a aprovação da lei antidesmatamento da Europa. Se sem essa lei em vigor a situação está assim, como vai ficar quando essa lei começar a vigência? Essa é a crítica mais veemente que possa ser feita para eles, quer dizer, você consegue reduzir preço de alimentos tendo alimentos. Você consegue reduzir tendo volumes, tendo, digamos, uma oferta superior à demanda de momento que eles têm lá. Isso é que faz os preços caírem.
Se você olhar a realidade do Brasil, nós fizemos nos últimos anos uma queda efetiva, de números expressivos, do peso dos alimentos na cesta dos mais necessitados. E a frase mais importante que existe nisso é que os limites de preço e todas as ideias semelhantes já se mostraram ineficazes durante o socialismo, palavra do Banco Central da Hungria. Não é só no Brasil que a gente vê o governo dando pitaco errado com o Banco Central, lá também. É muito interessante, é o velho voltando.
O Green Deal tem pinceladas do velho, isso também é velho. O que o Green Deal traz é um modelo unilateral europeu absolutamente desinteressado ou sem respeito com qual lei ou com qual regra você tem no seu país. Nós temos aqui o desmatamento legal, que é lei, que é o nosso Código Florestal, e o ilegal para eles não interessa, é desmatamento zero. Então é a volta do velho com muita veemência, o que, para mim, traz uma outra: a Europa vai perdendo a importância de uma forma real e se apega a essas coisas de uma forma muito perigosa. É isso que eu vejo.
Essa lei antidesmatamento vai pegar? Uma coisa é o papel e outra coisa é a vida prática? Se você olhar o mundo, de onde podem vir os alimentos? É do Brasil, é da Argentina, é do Mercosul e eles não querem assinar um acordo com o Mercosul que está na mesa para ser assinado. De alguma forma, é um acordo feito há anos, quando não havia essa loucura toda de Green Deal, essa coisa do passado voltando. Então tem que ser revisto isso, nós temos falado constantemente entre os nossos países. Isso é essencial, é essencial rever essa nova visão que tem uma dose, até certo ponto, de uma histeria ambiental e hipócrita ambientalmente falando. Vamos dizer que eles aumentam o consumo de carvão mineral de uma forma maluca, assim como estão prometendo investimentos na área de energia nuclear, então, é uma situação difícil que traz para a gente um problema. Será ótima a assinatura do acordo Mercosul-União Europeia, mas não nesses termos que eles estão fazendo.
Essa coisa de controlar preço eu acho ótimo, porque vi uma frase muito interessante de um político importante na Europa dizendo que ‘o controle de preços é viciante’ e é difícil largar o vício. Nós sabemos aqui também é, e me veio à cabeça o Sarney mandando caçar boi no pasto e coisas desse tipo. Vai ser muito interessante. Estou imaginando a autoridade suíça mandando caçar aquelas vaquinhas com aquele sino no pescoço para ver se reduz o preço da carne.
De um lado, há cadeias do agro despendendo muito dinheiro para tentar se adaptar às novas regras ambientais europeias. Por outro lado, há uma crítica de muitos grupos que dizem que a Europa não conseguirá colocar em prática essa lei verde. Qual é a sua visão? A primeira coisa prática é que você tem que ter um apoio de todos os estados da União Europeia para que isso vingue, e tem vários países que estão colocando dificuldades nisso. Por exemplo, na Holanda, uma crise constante, com tratores e com os agricultores realmente reclamando demais das medidas que querem impor.
Recentemente, a Alemanha e a Itália obrigaram a União Europeia a voltar atrás, porque ela queria acabar com o motor de combustão interna em 2035. Eu acho que vão ter outras coisas e também acho que a situação é tão grave na União Europeia que eles querem muito mais o acordo com o Mercosul do que o Mercosul quer um acordo com eles. Eles precisam do Mercosul como da luz do sol. Então, vamos ver se teremos paz de espírito para conduzir essa coisa nos interesses do país, com o Itamaraty sabendo negociar com a OMC intervindo e mostrando que é ilegal quando a ação é unilateral.
Há um risco para o agro em fechar o acordo Mercosul-UE? O Brasil poderia se abrir à entrada dos produtos da Europa, mas enfrentar barreiras devido a essas novas leis ambientais europeias? Olha, o pessoal da Frente Parlamentar da Agropecuária imediatamente reagiu com um projeto de lei que já começa a ser discutido, que é o reflexo, o espelhamento para a Europa do que eles estão fazendo para nós. Ou seja, quando você compra um produto ‘made in Europa’ você está comprando um produto que foi produzido com base em energia fóssil, seguramente com volumes enormes em energia fóssil. Nós vamos colocar altos impostos em todos os produtos comprados da Europa em função desse espelhamento. Portanto, nós vamos reagir, estamos reagindo e temos gente muito competente sabendo fazer isso muito bem.
*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.
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