Governador de Mato Grosso do Sul propõe que União compre áreas em conflito

Indígenas invadiram há mais de 15 dias uma fazenda em Rio Brilhante (MS)

  • Por Kellen Severo
  • 20/03/2023 09h26
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Saul Schramm/Governo de Mato Grosso do Sul Eduardo Riedel, governador de Mato Grosso do Sul Eduardo Riedel é o governador de Mato Grosso do Sul

O governador de Mato Grosso do Sul, Eduardo Riedel, está propondo que o governo federal compre, a valor de mercado, as áreas em conflito de terra com indígenas no Estado. No início do mês, indígenas da etnia Guarani Kaiowá invadiram uma propriedade rural em Rio Brilhante (MS) e após serem retirados pela Polícia Civil, voltaram ao local. O agricultor conseguiu um acordo para realizar a colheita da soja em sua propriedade, mas a insegurança jurídica continua. Confira abaixo a entrevista exclusiva com o governador de Mato Grosso do Sul.

Qual a situação em Rio Brilhante? A fazenda segue ocupada por indígenas? Ela segue ocupada, é um caso antigo de uma área que está em estudo antropológico, na margem da BR-163. É uma área que tem produção agrícola, ali tem um acampamento de sem terras na beira da fazenda e de outro lado é uma área indígena. É sempre uma tensão em termos de conflito nessa região específica. Uns 15 dias atrás, houve a efetivação dessa invasão, que eles chamam de retomada pelo fato de a área estar em estudo e, no entendimento deles, ali é área indígena. Mas hoje existe a matrícula em nome do proprietário. A justiça federal está analisando a reintegração de posse e nós vamos aguardar a decisão. É importante dizer que esse é um clima permanente em Mato Grosso do Sul, com várias comunidades indígenas. E o nosso governo tem buscado duas linhas de trabalho. A primeira é realmente atender as comunidades indígenas naquilo que elas demandam em termos de melhor condições de vida, acesso à educação, escola, infraestrutura de estrada, água, às vezes tem problemas em áreas específicas e essa é uma ação muito forte por parte do governo do Estado. E a outra grande vertente é essa discussão fundiária. É um conflito que está posto, com direitos constitucionais que se conflitam. Conversando com o governo federal, nós entendemos que o melhor caminho para solucionar essa questão é a compra das áreas que estão em conflito por parte da União para que regularizem as áreas indígenas que porventura sejam demarcadas e definidas.

O Cimi diz que a propriedade está sobreposta a uma área indígena. Como fica a situação? O produtor terminou a colheita da soja, é uma área que tem matrícula, tem toda a regularização. Essa é uma característica do Mato Grosso do Sul, as propriedades que estão em discussão são propriedades absolutamente regularizadas. Não são terras da União, não são terras sem documentação. Elas são absolutamente regularizadas há mais de um século. E aí quando começaram os estudos antropológicos para que se demarque mais áreas, gerou toda essa situação de conflito e isso já se arrasta há bons anos. E o nosso entendimento é de que não há outro caminho para regularizar essa situação que não a compra daquelas áreas que se entenderem como indígenas para que haja pacificação.

Você acredita que os agricultores aceitariam deixar as áreas? Como são muitas áreas, nós temos todo tipo de percepção em relação a isso. Muitos produtores, sim, falam que se o Brasil quer comprar áreas e entregar aos indígenas por um entendimento dessa natureza, ok, porque ele detém de forma mansa, pacífica e titularizada aquela área. Outros não. Outros vão seguir na sua área e será uma decisão judicial, como existem várias áreas já nessa discussão. Aí é uma avaliação de cada um dos proprietários. Nós entendemos que a tensão diminui muito se houver por parte do governo essa decisão de áreas que estão em litígio e se propor valor justo de mercado, mas a decisão é individual de cada produtor.

Sonia Guajajara disse que vai a Mato Grosso do Sul. Você terá reunião com ela? Nós estamos à disposição para conversar. Nós não temos ainda a confirmação da agenda da ministra em Mato Grosso do Sul. Estarei aqui e a receberei para uma agenda de conversa e tratativa neste sentido. Primeiro nós mostraremos um levantamento das ações do governo em cada uma das 94 comunidades indígenas no Estado. E a segunda questão é explanar para a ministra a questão fundiária no Estado e discutir como nós podemos, juntos, criar esse ambiente e essa ação proativa do governo federal para que se busque um entendimento. Essa agenda já está com o ministro Flávio Dino [ministro da Justiça], já está na Casa Civil com o ministro Padilha também. Tem toda uma discussão, o próprio presidente Lula já fez algumas declarações nesse sentido, e é importante que a ministra Sônia conheça a estrutura fundiária do Estado para todos caminharmos em uma única direção, se for esse o entendimento do governo federal. Outra vertente é a ação humanitária de apoio para que os indígenas tenham acesso a uma  melhor qualidade de vida dentro da sua realidade, isso envolve habitação, infraestrutura, educação, uma série de ações que nós do governo estamos completamente envolvidos em proporcionar isso como política pública.

Como você avalia a declaração do presidente Lula sobre acelerar a demarcação de terras indígenas para evitar que “pessoas criem títulos falsos para se apropriar de terras”? São realidades distintas, o presidente Lula [ao dizer sobre acelerar a demarcação de terras] estava na terra indígena Raposa Serra do Sol, no Norte do país. O Mato Grosso do Sul não apresenta essa realidade, aqui não tem título falso, aqui tem a absoluta legalidade de propriedade. Então, a realidade é muito distinta da que ele coloca no evento em que ele participou. Por isso é que há um conflito grande neste sentido, porque são direitos extremamente sólidos por parte dos produtores e a busca pela demarcação de algumas dessas áreas para as comunidades indígenas. Eu entendo que a solução aqui, como em alguns outros lugares do Brasil, é a compra das áreas porque temos regularidade absoluta desses títulos de propriedade.

Você confia que o governo pagará valor de mercado onde houver demarcação? Essa é uma decisão política. O caminho jurídico para que isso ocorra já foi construído porque não é uma questão deste ano. Essa é uma decisão política do governo brasileiro. Se ela for tomada, acredito que avance. Se não houver essa decisão política, não, nós vamos continuar com conflito acontecendo e sem solução para os indígenas e para os produtores. Essa é a realidade que se coloca. A partir do momento que o governo federal tomar uma decisão política, acredito que ande porque o caminho jurídico negocial no meu ponto de vista já está maduro para ocorrer. Essa situação já foi colocada no passado, ela vem sendo discutida e em algum momento isso foi interrompido, mas existe todo um procedimento para que isso ocorra. Se houver decisão política, acredito que ocorra. Mas acredito que temos que fazer com que essa decisão ocorra de fato por parte do governo federal através de todos os seus atores.

O risco de conflito fundiário em Mato Grosso do Sul está como? Sinal amarelo ou vermelho? Sinal amarelo. Nós temos acompanhado de perto, dialogado com as comunidades e governo federal. Nossa bancada está muito atenta para que a gente tenha um bom encaminhamento para isso e é nessa linha que nós vamos nos manter.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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