Guerra na Ucrânia completa um ano e ainda pode trazer efeitos ao agro

Consultorias avaliam possibilidade de escalada do conflito e impactos para grãos e fertilizantes

  • Por Kellen Severo
  • 21/02/2023 10h00
Anatolii Stepanov/AFP Militares ucranianos se preparam para disparar um morteiro em direção à posição russa Guerra foi iniciada em 24 de fevereiro de 2022, quando Putin ordenou a invasão russa à Ucrânia

A guerra na Ucrânia completa um ano nesta semana e ainda pode trazer impactos para o agronegócio brasileiro. O conflito, que teve início em 24 de fevereiro com a ordem de Vladimir Putin para invadir a Ucrânia, trouxe grandes efeitos na geopolítica mundial, colocou em xeque a segurança alimentar e energética e gerou até a possibilidade de um conflito nuclear. Para o agronegócio brasileiro, os principais impactos foram nos preços dos grãos e dos fertilizantes. Confira a entrevista que realizei com Pedro Costa, professor de relações internacionais, Carlos Cogo, sócio-diretor da Cogo Inteligência em Agronegócio, e Jeferson Souza, com o analista da Agrinvest Commodities, sobre o futuro da guerra e impactos no setor agrícola.

Esse um ano de conflito pode marcar um novo momento para a guerra na Ucrânia?
Pedro Costa
A minha tese é que essa guerra precisa ser entendida 20 dias antes da guerra. O que aconteceu no dia 4 de fevereiro? A Rússia e a China assinaram um documento que foi mal repercutido do ponto de vista de relações internacionais no Brasil e na América Latina como um todo. Ele foi assinado por Putin e Xi Jinping no primeiro dia das Olimpíadas de Inverno de Pequim. O Putin vai à China — é a primeira viagem dele pós-pandemia —, há uma foto emblemática e esse documento é conhecido como uma parceria e uma aliança sem limites entre Rússia e China. Eles declaram uma parceria estratégica, geoeconômica e geopolítica que não tem precedentes nas relações internacionais. Vinte dias depois começa a guerra. Claramente, essa guerra seria longa, que envolveria proporções tectônicas. Uma guerra que vai muito além de Rússia e Ucrânia. É uma guerra que de um lado tem a Otan e o G7 e de outro lado a Rússia, subsidiada pela China e Eurásia. E acontece no palco de teatro da Ucrânia. Eu diria que essa guerra deve ser longa, deve se intensificar e a Rússia está preparando mais uma ofensiva para o mês de março e abril.

Uma escalada da guerra geraria quais efeitos no agro?
Carlos Cogo –
Ainda que ela não ocorresse, os efeitos no agro aconteceriam de qualquer forma. As instalações de estocagens, terminais portuários, a situação de escoamento interno, de armazenagem em terra estão comprometidas, e isso compromete o desempenho da safra 22/23, agora colhida em 2023 na Ucrânia. Houve queda bastante grande na produção de milho e nas exportações. A exportação deve cair para 20 milhões de toneladas. No caso do trigo, também deve ficar bastante reduzida, em 13 milhões de toneladas. Então, as oportunidades já estavam abertas desde o ano passado. Nos mercados de milho, onde o Brasil acabou assumindo este ano na primeira colocação de exportador global, passando os EUA, também pegou uma parte que era da Ucrânia, de vendas para o mercado chinês. Ainda no trigo, o Brasil acabou sendo beneficiado, ampliando a área e aumentando as exportações, que chegaram a mais de 3,1 milhões de toneladas E um terceiro produto diretamente beneficiado foi o frango brasileiro, que bateu recorde de exportação.

Você acredita que os efeitos que teriam que acontecer ao agro já aconteceram?
Carlos Cogo –
Ainda que não houvesse escalada da guerra, esses efeitos vão perdurar e se ampliar em 2023. Pela questão de tempo longo ainda a ser recuperada a infraestrutura ucraniana, que não vai acontecer em dois ou três meses, isso está fora do radar. Ainda que acabasse essa guerra, supondo, em junho, julho, levaria talvez mais de um ano para recuperar a infraestrutura ucraniana, efeito que pode perdurar por todo 2023 e se estender em 2024.

O que vai acontecer com o mercado de fertilizantes com a continuidade da guerra ou possível escalada?
Jeferson Souza –
O cenário hoje é muito diferente do que tínhamos quando conversávamos em janeiro e fevereiro [do ano passado]. Hoje, o mercado, de uma certa forma, se acostumou a negociar o fertilizante com os russos. No ano passado, importamos mais ou menos 38 milhões de toneladas, das quais 20% eram da Rússia. Ou seja, nós praticamente não mudamos essa comercialização com a Rússia, continuamos comprando cloreto, MAP e ureia normalmente. Quando a guerra estourou, nós conversamos que a Rússia poderia parar de exportar, e ela não fez isso, sobretudo para o Brasil. Os demais países, obviamente, reduziram. Ela reduziu a participação em outros lugares, agora, para nós, do Brasil, nós continuamos negociando normalmente com a Rússia. Eu particularmente acho que o pior ficou para trás. É claro que, se a guerra tomou proporção maior que a que observamos, aí é outra história. Mas essa conjuntura, acho que o mercado de fertilizantes se acostumou a negociar com esses países considerados sancionados, não falo só da Rússia, mas de Bielorrússia e Irã. Então, a falta de fertilizante para o Brasil não ocorreu e o cenário foi totalmente o contrário do que o mercado imaginava. Terminamos o ano de 2022 com o maior estoque de passagem da história de fertilizante, com 9 ou 10 milhões de toneladas. Ou seja, aquele grande problema que víamos em fevereiro ficou para trás. Agora é um novo ano e estamos mais otimistas em relação à Rússia e à exportação do que no ano passado.

O risco de voltarmos a ver preços historicamente altos também está descartado?
Jeferson Souza – Eu particularmente sou cético com preço muito elevado, não acredito que isso vai acontecer nos próximos meses. Acho que estamos cedendo para uma correção mais de baixa do que de alta. A Rússia é importante? É muito importante, mas o Brasil nunca parou de negociar com os russos. E nós continuaremos em 2023. Claro que se a guerra realmente tomar proporção grande e o mundo inteiro acompanhar, pode ser outra história. Mas não vejo isso agora. Para o fertilizante, não encaro como um problema.

Confira a entrevista completa

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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