Vem aí uma nova guerra comercial? O que esperar após as eleições à Casa Branca em 2024

Donald Trump, um dos pré-candidatos à presidência, já indicou que analisa um pacote econômico para taxar todas as importações; confira entrevista com Thiago de Aragão, da Arko Advice, sobre o tema

  • Por Kellen Severo
  • 18/09/2023 10h00
ANDREW CABALLERO-REYNOLDS/AFP O ex-presidente dos EUA e candidato presidencial republicano Donald Trump fala durante a cúpula Pray Vote Stand no hotel Omni Shoreham Derrotado nas últimas eleições, Donald Trump deve concorrer novamente contra Joe Biden

A possibilidade de uma nova guerra comercial gerada pelos Estados Unidos começa a ganhar atenção do agro para o período após as eleições para a Casa Branca em 2024. Isso porque Donald Trump, um dos pré-candidatos à presidência, já indicou que analisa um pacote econômico para taxar todas as importações. Em entrevista à imprensa, ele citou uma “taxa universal” de 10%. Vem aí uma nova guerra comercial? Veja a conversa que tive com o diretor da Arko Advice, Thiago de Aragão, sobre o tema.

O pedido de impeachment de Biden gera quais efeitos no cenário das eleições de 2024? A disputa vai ser mesmo entre Biden e Trump? Tudo indica que essa vai ser, sim, a disputa entre Biden e Trump. Esses são os candidatos que têm o maior controle em cima dos seus partidos, existe uma pobreza de candidatos muito grande e isso é um resultado da polarização. A tendência é que esses dois candidatos sejam novamente aqueles que vão disputar a presidência nos Estados Unidos. E a abertura do impeachment obviamente acaba impactando muito o processo eleitoral porque você está criando mais uma narrativa. E a disputa eleitoral nada mais é do que uma disputa de narrativas e como que cada um coloca determinadas narrativas e determinados pontos de vista em relação ao seu concorrente. Para o Trump, que está sofrendo muito recentemente por conta dos processos judiciais em diversas cortes nos Estados Unidos, e outros problemas que sempre surgem em relação às polêmicas e temas controversos dele, é importante que algo similar surja no campo do Biden. Essa história dos negócios do filho do Biden, do Hunter Biden, vai e volta na política americana já há muitos anos. Mesmo durante a campanha presidencial que o Biden ganhou era um tema recorrente, do qual se falava, e no fim acabou por isso mesmo. Por isso que esse impeachment também não deve ter uma conclusão, um desfecho pesado, mas o processo em si é algo que que vai gerar um incômodo para o Biden.

Então você acredita que esse incômodo não tira Biden da disputa com Trump? Não, ele não vai tirar o Biden da disputa com Trump. Até porque os democratas têm maioria no Senado, você precisa de uma aprovação nas duas Casas e na própria Câmara de Deputados, e existem várias incertezas. Um importante deputado republicano, que é do estado do Kentucky, disse que é um fato gravíssimo, que tem que ser investigado, mas que ainda não há nenhuma evidência de que o dinheiro do filho foi para o pai. Inclusive, surgiram novos fatos de que grande parte desse dinheiro acabou indo para os sócios do filho. Agora tem que levantar se a origem desse dinheiro é lícita ou ilícita, se faz parte de corrupção etc. Isso, sim, pode levar a um problema. Mas, do jeito que ela está se desenhando, é algo que vai dar um constrangimento para o Biden na Câmara dos Deputados, e ele sabe que no Senado tem uma proteção por conta da maioria, não vingaria esse processo de impeachment.

O pacote econômico de Trump prevê a retomada de tarifas e cortes de impostos. Na sua opinião, deverá ocorrer uma nova guerra comercial com medidas retaliatórias que também vão atingir a China e talvez uma dimensão maior do que foi no primeiro mandato de Trump caso ele seja reeleito? É possível porque o Trump tem essa característica de buscar uma confrontação com algum país no exterior. Ele optou pela China por razões óbvias, abriu mão de fazer isso com a Rússia, e isso acaba contribuindo muito para a narrativa de os “Estados Unidos primeiro”, “America first”, esse tipo de narrativa. Então, para ele, é muito importante que existam alvos palpáveis fora, no qual o eleitor possa interpretar que as promessas de campanha estão sendo realizadas. Com a China, já existe um grau de tensão tão pesado que o Trump não tem muito mais que pode fazer no âmbito comercial. É importante lembrar que ele seria um presidente que ia ter que lidar com um Congresso que não pensa necessariamente igual a ele, com republicanos no Senado e na Câmara que não pensam exatamente como ele e com um ambiente de negócios no país que também não quer uma aposta exagerada em cima de imposição de tarifas contra outros países. Um ponto que é muito importante lembrar é que os Estados Unidos não têm capacidade de produzir um único antibiótico. Praticamente, todos os antibióticos que existem nos Estados Unidos dependem integralmente ou parcialmente da China. Então, claro, tem sempre uma linha de ataque que o Trump pode colocar contra a China, mas a China tem também grandes poderes para retalhar isso de uma forma extremamente agressiva. Agora, o que a gente pode acabar vendo é esse processo do Trump de aperto em termos de tarifas em cima de países que estão se alinhando ou pensando em se alinhar com a China. Nesse caso, o Brasil, Etiópia e outros. Isso, sim, seria problemático porque viria a calhar com eleitores e produtores de alguns estados nos Estados Unidos, como Indiana e Iowa, que produzem etanol (em milho) e que disputam com o Brasil. Para eles, seria mais interessante o aperto usando a justificativa de aproximação com a China para colocar tarifas em cima de importação de determinados produtos como uma forma de justificar essa narrativa internacional.

Biden também iniciaria uma nova era de guerra comercial? Na gestão dele foram mantidas tarifas contra a China. Isso está previsto em algum plano econômico de Biden? Qualquer movimento que acaba impactando a economia americana só seria retomado a partir do momento em que houvesse uma interpretação por parte do governo de que o crescimento econômico está começando a tomar corpo e que os riscos de recessão foram abandonados. Então, existe muito dever de casa que é feito antes de tomar decisões pesadas em relação ao comércio exterior que possam acabar impactando diretamente no processo de recuperação econômica de cada país. Até lá, são narrativas que não têm data de execução. Falar que ele tem o desejo de fazer isso ou aquilo não necessariamente vai se converter em uma prática inicial no governo. É apenas um formato ou perfil do que o Biden quer passar. O Biden quer manter o desemprego baixo — está em 3,8% uma das últimas informações de agosto. Isso para ele é extremamente importante. A taxa de juros precisa baixar também, já começou alguns debates aqui essa semana, inclusive, conversando com pessoas do governo, de que existe o temor de que a inflação possa estar voltando a um crescimento que acabaria criando um efeito dominó muito ruim, incluindo o aumento na taxa de juros, não só nos Estados Unidos, mas que acaba afetando vários outros países. Esse é o ponto central de preocupação para o Biden no momento.

Você prevê uma escalada ou uma nova era da guerra comercial tanto se Biden for reeleito quanto se Trump for eleito após 2024? Sim, eu vejo que vai piorar as tensões entre Estados Unidos e China. Não só na área comercial, mas em outras áreas também. Agora, a área comercial pode começar a ser atacada de uma forma mais específica. Como, por exemplo, na área tecnológica e de equipamentos tecnológicos e, consequentemente, também de equipamentos eletrônicos ou industrialmente manufaturados, o que acaba afetando os países produtores por conta de todo o maquinário que é comprado da China para manter as produções nas lavouras.

Em uma entrevista à Fox Business, Trump disse que “as empresas que chegam e despejam seus produtos nos Estados Unidos deveriam pagar automaticamente uma taxa de 10%”. Esse é um cenário base que você acha que a gente deve considerar? Isso é algo que a gente tem que levar em consideração, mas exige uma construção. Durante o governo de Trump, ele chegou a anunciar que iria ordenar que o USTR, o órgão responsável pelo comércio bilateral, iniciasse um processo de acordo de livre começo com alguns países, inclusive com o Brasil. A resposta do USTR foi seca e disse “não”, até porque o Trump não tem nenhuma autoridade para ordenar que o USTR faça algo. Então, o número de 10% é inventado na hora, ele não tem necessariamente uma base porque ela varia de produto para produto. Você não pode colocar 10% em cima de tudo porque existe uma demanda e um excesso em relação ao que entra. A partir daí, isso passa a sair das mãos do Trump e entra na mão do universo de burocratas e de funcionários do Congresso e do governo americano, que podem ou não levar para esse caminho. A gente não tem que tomar tudo o que é dito pelo Trump porque ele gosta de criar uma situação de certeza absoluta nas suas promessas, isso é muito típico do lado do Trump e também do lado do Biden no processo eleitoral. Mas, para finalizar, sim, Trump tem mais apetite na aplicação de tarifa como uma forma de demonstrar que os Estados Unidos têm uma postura independente em relação aos outros países. E é um risco para o Brasil.

Que efeitos geraria ao agro do Brasil? Na última guerra comercial enquanto Trump era presidente, parte das exportações dos Estados Unidos que a China compra passou para o Brasil. Você acredita em uma repetição desse cenário? Quanto mais tensão, pelo menos no campo comercial, existir entre Estados Unidos e China, mais isso acaba beneficiando o Brasil. Mas, por outro lado, quanto mais tensão você tiver entre os Estados Unidos e China, e isso acabar levando para uma situação de guerra fria ou para algo até potencialmente pior, maiores são as chances de os Estados Unidos observarem quais são os países que fornecem commodities para a China, que fazem a China dependente nesses países, quais desses países os Estados Unidos podem colocar o seu peso para impedir ou diminuir esse fluxo. No último caso, uma sanção, o que eu acho muito difícil, pois isso seria um caso já de guerra, ou o incentivo. E o incentivo seria algo que o Trump poderia tentar com alguns países, mas é muito difícil fazer isso, principalmente porque a China tem uma capacidade de importação muito alta

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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