Novas formas de amar: liberdade ou fuga do vazio?
Aumento de divórcios e a naturalização da infidelidade expõem a fragilidade das relações contemporâneas; amor atual parece mais movido pela urgência do desejo do que pela sustentação da intimidade
Nunca se falou tanto em liberdade afetiva. As novas configurações de relacionamentos dominam timelines, manchetes e conversas de bar. Poliamor, relacionamentos abertos, vínculos flexíveis e até o caso do chinês de 75 anos que pediu o divórcio para ficar com a amante (uma chatbot), surgem como sinais de uma era que se diz mais autêntica, menos hipócrita e mais alinhada à idéia de que cada um vive o amor à sua maneira. A verdade é que, muitas vezes, esse suposto progresso é tudo menos sobre a liberdade em amar. É atender ao desejo que grita diante da falta mas não preenche o vazio.
À primeira vista, parece progresso. Afinal, por que insistir em fórmulas rígidas de ordem que não dão conta da complexidade humana ditadas agora pelo Novíssimo Testamento: a rede social?
Tendências narcísicas da aliança que substituiu o “ficar juntos até que a morte nos separe”, pelo viver “até que a vontade dure”.
Dados recentes do Instituto de Psicologia Aplicada revelam que cerca de 85% dos brasileiros já demonstraram sinais de carência afetiva extrema e para 15% isso levou ao fim do relacionamento. A modernidade líquida facilita trocas rápidas, mas reduz a experiência de enfrentar a imperfeição do outro, de sustentar o desconforto e amadurecer junto. O desejo de experimentar pesa mais do que a coragem de sustentar. É preciso lembrar que a monogamia também tem seus desafios, especialmente quando idealizada pelo mito do amor romântico eterno. Ainda assim, ela oferece algo raro: a possibilidade de atravessar fases da vida ao lado de alguém que se reinventa com você, que reaprende a amar em diferentes momentos da mesma relação. Talvez o verdadeiro avanço esteja menos em multiplicar vínculos e mais em sustentar a profundidade de um único.
O poliamor traz múltiplos vínculos com consentimento mútuo. Muitos relatam níveis semelhantes de compromisso e satisfação em relação à monogamia, desde que verdade e cumplicidade sejam preservadas. Nenhum modelo é isento de efeitos colaterais. Ciúmes, inseguranças e medo de rupturas atravessam todas as formas de amar. A dor de quem aceita abrir a relação para não perder a estabilidade é ainda pior. Quase uma tortura a cada novo “date” do parceiro. A infidelidade, por sua vez, não pertence a um modelo específico: 60% dos homens e quase 50% das mulheres já admitiram ter traído como forma de suprir
carências emocionais ou evitar a ruptura.
A última tendência é o chamado relacionamento DADT — sigla em inglês para “Don’t Ask, Don’t Tell” (“não pergunte, não conte”). Nele, há consentimento prévio para envolvimentos externos, mas sem comunicação de detalhes entre os parceiros. Para alguns, é uma adaptação moderna que evita tensões. Para outros, um sinal de insegurança e medo de confrontar conflitos. O risco é transformar a omissão em ética e fragilizar a intimidade.
Cada formato traz desafios reais, seja a traição silenciosa na monogamia ou os atritos emocionais no poliamor. A questão essencial não é escolher o modelo, mas sustentar o impulso de amar e ser amado com honestidade, sem encenações. Aprender a amar não significa colecionar novos amores, mas construir vínculos sólidos, capazes de atravessar fases e suportar imperfeições.
Às vezes, em uma relação monogâmica, o que falta é a liberdade para ser autêntico. Expressar quem é através do desejo, da cumplicidade e do existir no real. É entre imaginário e realidade que sentimos a pulsação da vida, a faísca que nos faz rir, arrepiar e querer mais.
No fundo, o que falta não é diversidade de modelos, mas a coragem de encarar o vazio que sempre nos acompanha. Lidar com a falta é inevitável. Amar é sustentar a falta, não preenchê-la com ilusões.
*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.


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