Quando o roteiro de desculpas chega ao fim

Autorresponsabilidade é parar de ensaiar justificativas e estrear a peça em que a vida realmente acontece

  • Por Larissa Fonseca
  • 08/09/2025 13h23 - Atualizado em 08/09/2025 13h26
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Fox Filmes/Reprodução O Diabo Veste Prada Em O Diabo Veste Prada Andrea parecia apenas uma vítima, sacrificando saúde, relacionamentos e vida pessoal em nome da aprovação; mas o paradoxo é que culpar o outro é sempre mais simples do que admitir as próprias escolhas

“Peço desculpas pelo atraso. Tive uma crise de ansiedade, fui parar no hospital, meu celular ficou sem bateria… e, claro, o universo conspirou contra mim. Porque, obviamente, se existe alguém que a vida escolhe para testar, esse alguém sou eu. Só que, no fim, sobra sempre a mesma pergunta: o que deixei de fazer que só cabia a mim?

Eu sei que tenho crises de ansiedade quando não durmo bem. E sei também que durmo melhor quando me alimento de forma leve, evito álcool à noite e faço exercícios. Ontem, escolhi o contrário. Porque nada como um prato pesado e uma taça de vinho para garantir aquela noite digna de insônia premiada. Entre o prazer imediato e a consequência inevitável, somos todos campeões em fazer apostas que já sabemos que vão dar errado”. Se reconheceu?

O viés que nos leva a culpar o ambiente pelos fracassos e a assumir o mérito pelos sucessos é conhecido como self-serving bias. Ele funciona como um mecanismo de autoproteção: alivia a autoestima, mas nos mantém presos às desculpas. Se você é do time que pensa “isso só acontece comigo”, parabéns: você não é azarado. Você é protagonista… do roteiro que você mesmo escreveu. Do outro lado, uma publicação no Frontiers in Psychology lembra que o extremo oposto — o autoblame — também é armadilha para se manter paralisado sem encontrar um propósito. Entre buscar todas as falhas ou inventar desculpas que aliviam, a autorresponsabilidade aparece como a via possível: reconhecer a parte que me cabe sem terceirizá-la ao mundo que só existe na própria mente.

Assumir rédeas da própria vida envolve lidar com escolhas que muitas vezes preferimos disfarçar. Mesmo que seja, no fundo, o propósito de se enfiar de cabeça no trabalho para justificar por que não quero estar em família.

Em O Diabo Veste Prada (2006), é fácil apontar Miranda Priestly como a vilã: a chefe autoritária que sufoca a protagonista. Andrea parecia apenas uma vítima, sacrificando saúde, relacionamentos e vida pessoal em nome da aprovação. Mas o paradoxo é que culpar o outro é sempre mais simples do que admitir as próprias escolhas. Talvez Andrea já não quisesse mais sustentar aquela vida (nem o namoro com Nate) e o trabalho foi apenas a desculpa conveniente. O difícil não era enfrentar Miranda, mas assumir a coragem de mudar o próprio caminho, com todas as escolhas e renúncias envolvidas (e, veja bem, não estou aqui dizendo que Miranda não era uma chefe tóxica, viu? Mas isso é assunto pra outro momento).

Me arrisco a dizer que a grande questão não é de quem é a culpa, mas o que fazemos com ela quando as desculpas acabam. Será que somos capazes de viver relacionamentos sem transformar o outro em gerente de nossas frustrações? Porque, se a felicidade depende de alguém cumprir tudo que a gente deixou de lado, talvez o problema não esteja no outro — esteja na fila de desculpas que a gente coleciona.

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No fim, autorresponsabilidade é essa virada silenciosa: o laço que não busca culpados, mas encontra caminhos; a escolha que não depende do outro, mas nos transforma para estar melhor com ele. Porque, afinal, a vida se sustenta menos nas desculpas que damos e mais na responsabilidade que assumimos.
A verdadeira questão é: o que fazemos quando já não temos desculpas? Talvez inventar mais uma… ou, quem sabe, finalmente assumir que o controle remoto dessa história sempre esteve na nossa mão. E que é hora de sintonizar o melhor canal.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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