Por que os governos dão tão certo?

Eleitores e políticos têm tantos incentivos para se comportar mal que a surpresa não é a democracia dar errado, mas o fato de às vezes ela satisfazer os cidadãos

  • Por Leandro Narloch
  • 26/11/2020 16h04 - Atualizado em 26/11/2020 17h26
Henry Milleo/Estadão Conteúdo Tese do economista Bryan Caplan derruba a ideia de que os eleitores tomam decisões racionais durante eleições

Todo dia um bocado de analistas políticos profissionais ou amadores tentam explicar por que o Estado falha. Qual o motivo de tantos políticos decepcionarem? Por que os serviços públicos são lastimáveis? O economista americano Bryan Caplan faz a pergunta oposta. Tendo em vista os preconceitos, os vieses cognitivos, o baixo conhecimento econômico de eleitores e políticos, sem falar nos incentivos perversos aos quais eles são expostos, por que a democracia não resulta num caos ainda maior? A surpresa não é ela dar errado, mas o fato de às vezes satisfazer os eleitores. Acaba de sair no Brasil a principal obra de Caplan, “O Mito do Eleitor Racional”. É uma delícia de livro, daqueles bem escritos, cheios de boas tiradas, referências e citações. O economista derruba a ideia de que os eleitores tomam decisões racionais e que as eleições são capazes de eliminar os maus e os equivocados. Para que a democracia cumpra sua promessa, muitos requisitos precisam ser cumpridos: 

  1. Um bom diagnóstico dos problemas sociais, sem que os eleitores superestimem a probabilidade e a importância de fenômenos que geram mais notícias. Aviões comerciais, por exemplo, são mais seguros que carros, mas muita gente pensa o contrário.
  2. A capacidade de relacionar decisões políticas com efeitos que muitas vezes aparecem só anos depois delas serem implantadas. 
  3. Depois do diagnóstico, é preciso chegar a um acordo sobre a melhor solução para dezenas ou centenas de questões controversas. Muitas ações do Estado têm benefícios visíveis e concentrados, mas prejuízos ocultos e dispersos. Um bom eleitor teria que ser capaz de pesar os dois lados. 
  4. É preciso resistir à tentação de escolher políticas sedutoras, como as que miram num bode expiatório (os ricos, os imigrantes, os produtos estrangeiros) ou evitam sacrifícios coletivos (como o corte de gastos).  
  5. Capacidade de identificar políticos honestos, não só os que parecem honestos ou vão bem em debates. E precisam descobrir quais os políticos que honestamente defendem boas soluções, aqueles que de fato irão implantá-las caso eleitos. 
  6. Ao votar, ainda é necessário desapegar de ideologias obsoletas, preconceitos, crenças irracionais e do comportamento de torcida. Para Caplan, poucos eleitores fazem isso, pois o prazer psicológico de teimar numa ideia é maior que o possível prejuízo que um voto pode causar. (É o que ele chama de “irracionalidade racional”.) 
  7. Do lado dos políticos, é preciso defender as atitudes corretas, não as mais populares ou que rendem mais votos. 
  8. Conter a pressão de grupos de interesse que buscam privilégios a custo da maioria (como os servidores públicos, militares, fabricantes nacionais interessados em barreiras alfandegárias, taxistas contrários à concorrência). 

A lista de requisitos difíceis de cumprir poderia ir muito mais longe. Então voltamos à pergunta: com tantas dificuldades, por que o sistema não dá mais errado? Caplan responde assim: porque os políticos felizmente não cumprem os desejos equivocados do povo. No poder, governantes enfrentam um dilema. Se tomarem atitudes ruins que seus eleitores esperam, vão arruinar seu mandato; se tomarem as certas, parecerão desonestos mas evitarão desastres. Muitos ficam com a segunda alternativa. Assim, as coisas seguem seu rumo sem grandes desastres ou maravilhas. E o povo continua se desiludindo com um político para em seguida depositar as esperanças em algum outro. 

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