Vacina da Moderna está pronta desde 13 de janeiro; um livre mercado evitaria a epidemia? 

É possível imaginar um mundo em que 2.000 empresas lançam vacinas, pessoas selecionam as mais confiáveis e o nível de eficácia é mostrado na embalagem

  • Por Leandro Narloch
  • 18/12/2020 13h55 - Atualizado em 18/12/2020 14h31
Saulo Angelo/Estadão Conteúdo - 17/11/2020 vacina da moderna Vacina da Moderna está pronta desde 13 de janeiro

A revista New York publicou uma reportagem estarrecedora dias atrás. O título é “Nós tínhamos a vacina o tempo todo”. Revela que a vacina do laboratório Moderna foi criada em 13 de janeiro de 2020. Sim, 13 de janeiro, antes da primeira morte por Covid registrada no Brasil ou nos Estados Unidos. Dois dias depois de a China liberar o código genético do novo coronavírus, e antes mesmo da OMS reconhecer que a doença poderia ser transmitida entre humanos. Treze de janeiro! Em fevereiro, enquanto o Brasil pulava Carnaval, o laboratório já fabricava o produto para a primeira fase de testes. Essa informação leva a dilemas interessantes. Será que a burocracia exigida pelas autoridades sanitárias, em vez de nos proteger, não acabou atrapalhando a proteção e adiando o fim da pandemia? Qual o ponto ótimo de rigor e prova de eficácia que devemos cobrar? Exigências altas demais adiam o lançamento das vacinas, e durante esse tempo milhares de pessoas morrem por Covid. Já exigências baixas demais aumentam as chances de que vacinas perigosas ou ineficientes cheguem ao mercado, minando a confiança das pessoas na imunização. 

Desde muito cedo se soube que a vacina gênica oferece poucos riscos – o trabalho maior foi provar que ela é eficaz (hoje sabemos que é 94,5% eficaz, muito mais que as vacinas anuais de gripe). Então, será que não valia a pena tentar? Médicos e autoridades testaram nesse ano várias substâncias com pouca comprovação: a cloroquina, a terapia por plasma. Como diz David Wallace-Wells, o autor da reportagem da New York, “nossa abordagem contra a pandemia também levanta questões sobre o modo estranho, complicado e muitas vezes contraditório pelo qual lidamos com o risco e a incerteza”. Por exemplo, as vacinas que estão surgindo agora não foram testadas em idosos – mas são os idosos os primeiros a tomá-las. De um lado exigimos muito rigor, de outro esquecemos completamente dele. 

“Num mundo com livre mercado, não haveria uma pandemia”, cravou o economista John Cochrane, da Universidade Stanford, depois de ler a reportagem da New York. É interessante imaginar esse mundo. Suponha que qualquer empresa pode vender e qualquer pessoa pode comprar vacinas ou remédios não comprovados. O laboratório avisaria na embalagem que a eficácia ainda não foi comprovada; também poderia exigir dos consumidores um termo de consentimento quanto aos riscos da substância. E, por que não, pedir aos primeiros clientes que se voluntariassem para os testes? Anvisa e FDA até poderiam existir, mas como órgãos de aconselhamento, sem poder de proibição. 

É fácil imaginar que, num cenário desses, 2.000 empresas lançariam supostas vacinas. As pessoas teriam que dar um jeito de selecionar as confiáveis entre tantas fraudulentas. Provavelmente escolheriam as de grandes marcas e laboratórios, que teriam muito a perder se seu produto provocasse efeitos graves. A imprensa e certificações privadas organizariam um ranking dos produtos melhores. Também poderia dar muito errado, é claro. Um acidente destruiria a reputação das vacinas, e muita gente se sentia desencorajado a se vacinar. Mas o caos seria maior do que o que vivemos em 2020? Treze de janeiro. Não consigo deixar de pensar nessa data, 13 de janeiro. A humanidade já é capaz de criar vacinas num fim de semana. Se também conseguíssemos testá-las e aprová-las em menos tempo, centenas de milhares de pessoas e empregos seriam salvos.

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