Mercado de carbono regulamentado é um sinal de que o Brasil está entrando na era do capitalismo ambiental

A forma como se dará a regulamentação posterior será decisiva para que a o SBCE provoque a esperada desaceleração das emissões de carbono na atmosfera no Brasil para mitigar efeitos das mudanças climáticas

  • Por Livres (por Helio Secco*)
  • 19/12/2024 16h52
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Freepik Crédito de carbono: terra, moedas e planta Ainda há muito por fazer em outras frentes da economia verde, mas já podemos dizer que a era do capitalismo ambiental começou

No último dia 13 de novembro de 2024, o Senado Federal finalmente aprovou o tão aguardado projeto de lei que regulamenta o mercado de carbono no Brasil. Depois de diversos projetos de lei nos últimos anos, o PL 182/2024 seguiu para a Câmara dos Deputados, e foi aprovado com diminutas alterações no dia 19 de novembro, perdendo-se a oportunidade de aprimorar questões que poderiam elevar ainda mais o potencial deste mercado e conter riscos futuros. Politicamente falando, houve uma janela de oportunidade para a repentina tramitação do texto em função do contexto da COP29 que estava ocorrendo em paralelo, bem como as agendas do G20 no Brasil, e a vontade do governo Lula em sinalizar esse avanço visando cumprir compromissos do Acordo de Paris, o que inclui a meta de reduzir ao menos 53% das emissões até 2030 (Contribuição Nacionalmente Determinada – NDC).

Críticas ao texto aprovado e que propõe a criação do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), são válidas. As principais delas estão relacionadas a incerteza que o PL permite à regulamentação futura infralegal. Não foram estabelecidos os métodos e bases de cálculo para a quantidade de carbono emitido ou sequestrado da atmosfera pelas diversas atividades sujeitas a regulamentação, bem como regras de transição para as empresas de grande emissão aderirem ao mercado de carbono, e também não foram definidos setores específicos que entrarão primeiro no balanço de transações do mercado, abrindo espaço assim para uma possível guerra de lobby por subsídios e tratamentos diferenciados junto ao Governo Federal em exercício.

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Ou seja, diante do contexto atual do Governo Lula, está ligado o sinal de alerta para uma possível sanha arrecadatória que culmine em desincentivo de crescimento para a fragilizada indústria nacional. Além disso, o projeto poderia ter se desenvolvido com olhos mais atentos a potencialização internacional, pois o mercado torna-se mais restrito e engessado ao optar-se por tornar os ativos produzidos pelo SBCE em acréscimo de valor mobiliário ao invés de ser comercializado como commodities quando negociados no mercado financeiro e de capitais (o que daria maiores incentivos econômicos ao reflorestamento de terras inclusive).

Entretanto precisávamos urgentemente dar um passo adiante, e sinalizar ao mercado global e investidores que o país está modernizando sua base legal para agregar valor econômico às nossas florestas tropicais e aos empreendimentos mais sustentáveis que emitam menos carbono. Basicamente, o SBCE estabelece um limiar de emissões de 10 mil toneladas de CO2 a cada ano por ente (exceto emissões de áreas rurais e produções agropecuárias), e assim é possível se comercializar os créditos de carbono que deixam de ser emitidos por aqueles que estiverem abaixo do limite, enquanto os que emitem acima do limite adquirem esses créditos na forma de cotas brasileiras de emissões (CBE).

Ademais, os emissores também podem adquirir créditos de carbono na forma de certificado de redução verificada de emissões (CRVE), por parte de pessoas físicas ou jurídicas que preservam florestas nativas capaz se sequestrar gases do efeito estufa (GEE) da atmosfera. Todas essas transações comerciais são livres e a escolha de quem comprar CBE ou CRVE é espontânea, de modo que a oferta e demanda atua constantemente no preço das transações. Periodicamente os emissores terão de reportar suas emissões e realizar conciliações do balanço de emissões junto ao órgão gestor e regulador do SBCE. Cada CBE ou CRVE equivale 1 tonelada de CO2 a ser emitido ou a ser capturado.

Quantos proprietários de terras preservam extensas áreas de vegetação nativa sem ter meio de capitalizar ou compensar a parte de sua terra que não é destinada a algum tipo de produção?  Agregar valor financeiro é a melhor forma de reconhecê-los pela contribuição na preservação de recursos hídricos e equilíbrio ecológico que proporcionam uma série de serviços ambientais a sociedade, o que nada mais é que “remunerar” os responsáveis por essas florestas, sejam eles públicos ou privados.

Quantos negócios podem ser reinventados ou estimulados com receitas oriundas da venda de créditos de carbono? Quantos empreendimentos ligados à bioeconomia podem se beneficiar e finalmente ganhar escalabilidade no Brasil a partir da implementação de um mercado de carbono que tenha liquidez? A lógica de mercado, dentro do sistema capitalista, tende a ser a forma mais eficiente de incentivar as pessoas a desempenharem algo, incluindo quando se trata de preservação ambiental. 

A forma como se dará a regulamentação posterior será decisiva para que a o SBCE provoque a esperada desaceleração das emissões de carbono na atmosfera no Brasil, contribuindo assim para a redução e mitigação dos efeitos das mudanças climáticas e a esperada expansão do mercado para novas oportunidades de emprego e renda à medida que mais empresas emissoras de carbono poderão demonstrar sua comprovação do balanço de emissões a seus clientes, principalmente nos casos das que são exportadoras.

Em tese, com o passar do tempo o SBCE regulamentado com viés de potencializar negócios fomentará mais agentes econômicos a preservarem a natureza, e a buscarem por mais inovação tecnológica voltada para sustentabilidade de suas atividades industriais uma vez que possam lucrar mais com a venda de créditos. Isso vem acontecendo em outros países do mundo há alguns anos, e o Brasil já poderia ter aprendido mais se tivesse iniciado esse debate mais cedo.

A partir da esperada sanção deste PL, o mercado de carbono brasileiro começará ainda restrito à sua economia interna com transações entre agentes nacionais, mas o seu amadurecimento e ajustes na regulamentação conforme a observação dos resultados acumulados, provavelmente nos habilitará para transações internacionais dos créditos de carbono gerados aqui, e atrairá investimentos estrangeiros do primeiro mundo. Ainda há muito por fazer em outras frentes da economia verde, mas já podemos dizer que a era do capitalismo ambiental começou e tem muito a contribuir para o real (não apenas teórico) desenvolvimento sustentável no Brasil.

*Helio Secco
Doutor em Ciências Ambientais
Graduado em Gestão Pública
Líder Livres Rio de Janeiro

Esta publicação é uma parceria da Jovem Pan com o Livres
O Livres é uma associação civil sem fins lucrativos que reúne ativistas e acadêmicos liberais comprometidos com políticas públicas pela ampliação da liberdade de escolha

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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