Lula terá habilidade de usar a Amazônia como ativo na geopolítica?

Presidente brasileiro participará neste mês de cúpula em Paris que vai tratar de um novo pacto financeiro global; atual governo federal brasileiro, tem a oportunidade de fazer valer um patrimônio natural do país

  • Por Marcelo Favalli
  • 07/06/2023 16h52 - Atualizado em 07/06/2023 16h56
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Ricardo Stuckert/PR/Divulgação erimônia por ocasião do Dia Mundial do Meio Ambiente Lula participa de cerimônia em comemoração ao Dia Mundial do Meio Ambiente

Ao convidar Lula para o evento, agendado para os dias 22 e 23 deste mês, Emmanuel Macron disse que “o mundo precisa de uma economia verde que não deixe ninguém para trás”. Neste sentido, o Brasil exerce papel fundamental. Em uma aparente nova ordem mundial, na qual a biodiversidade vai ser uma commodity, países identificados como guardiões destas reservas terão um destaque natural no século 21. Foi assim com o petróleo, no século passado, e com o ouro, no século anterior. Entretanto, ser a fonte de tais reservas não garante protagonismo entre as potências. A história nos ensina. Nem todos os territórios ricos em recursos naturais, no passado, foram impérios. Tornaram-se grandes aqueles que conseguiram controlar tais riquezas. O atual governo federal brasileiro, eleito em outubro com uma campanha apoiada no discurso de preservação ambiental, tem a oportunidade de fazer valer um patrimônio natural do país. Caberá a Lula saber usar. Isto tem nome na teoria política: soft power.

O Brasil jamais se posicionou como potência militar. A promessa de “país do futuro”, como profetizou o autor austríaco Stefan Zweig, em 1941, tampouco se cumpriu. Na história contemporânea, a referência brasileira no exterior foi ora cultural, ora o refúgio de criminosos. Basta lembrar quantas vezes o Rio de Janeiro foi mencionado, em Hollywood, como um paraíso musical e porto-seguro para procurados pela Interpol. A bem da verdade, outra herança brasileira — tirando o futebol — é a diplomacia. Não é uma coincidência o presidente brasileiro abrir os discursos da Assembleia Geral da ONU, depois do anfitrião Estados Unidos. As circunstâncias trouxeram uma nova oportunidade. A maior fração da Floresta Amazônica é brasileira, desde a demarcação do território da América do Sul depois do período colonial. Agora, a vantagem vale muito — em dois sentidos. Primeiro, pelo fato da área verde ser indispensável para o que resta do equilíbrio climático; em segundo lugar, pelo capital político.

“Neutralização do Carbono” será uma expressão muito repetida por candidatos de perfil liberal nas eleições mundo afora. Quem não tem floresta para chamar de sua, vai buscar auxiliar quem tenha. Não à toa, o Fundo Amazônia — criado em 2008, no segundo mandato de Lula, e gerido pelo BNDES — voltou a receber depósitos generosos quando pronunciamentos do Palácio do Planalto retomaram o compromisso com a conservação. A Casa Branca anunciou um aporte inédito que vai dobrar o valor disponível do capital, com pouco mais de R$ 3 bilhões em caixa desde 2019, quando foi paralisado pela gestão anterior. Voltando a mencionar o conceito de soft power, o governo brasileiro tem argumentos suficientes para conseguir investimentos igualmente volumosos. Afinal, quem vier usar o apoio à Amazônia como propaganda não quer ficar atrás dos americanos. Prova disso é a promessa do primeiro-ministro britânico em contribuir com a causa, depois que se espalhou a notícia do empenho de Joe Biden com o fundo.

Importante esclarecer que o soft power não é apenas dinheiro. Há por trás do conceito um valioso componente de relevância política. É aí que está o “campo minado”. Impossível agradar a gregos e troianos ao mesmo tempo. Priorizar a preservação escanteia outros setores estratégicos no campo político. Só para citar dois: o agronegócio e a indústria automotiva. Liberar a exploração de petróleo em áreas de natureza virgem e incentivar a venda de veículos movidos a combustível fóssil destoa das promessas ecológicas, mas agrada a um eleitorado fundamental, além de afagar uma bancada importante no Legislativo. A questão é como equilibrar os pratos de uma balança muito complexa. “O caso do incentivo à indústria automobilística é muito ilustrativo de um tipo de esquerda que se mostra hesitante em se modernizar, ainda presa a um modelo de desenvolvimento anacrônico. O governo parece não ter ajustado o tom entre as demandas de desenvolvimento econômico e proteção ambiental, e isso produz a imagem para o mundo de um governo hesitante e errático na defesa do meio ambiente. Para a diplomacia vender bem a imagem de um país comprometido com a proteção do meio ambiente e que tem na defesa do seu do meio ambiente um valor fundamental, é necessário antes que se supere as divisões internas. Do contrário, há um risco real de o Brasil projetar uma imagem de um país esquizofrênico, com um pé no real no extrativismo e outro pé retórico no ambientalismo”, avalia David Magalhães, professor de relações internacionais da Faap, que tem no currículo acadêmico estudos a respeito da política externa brasileira.

O professor lembra que Lula já demonstrou habilidade em usar a Amazônia para manter o Brasil bem posicionado no cenário internacional ainda nos dois primeiros mandatos. Por outro lado, Magalhães pensa que a gestão ambiental da atual administração destoa bastante daquilo que o presidente prometeu durante a campanha eleitoral no ano passado. “Lula e o PT parecem não ter saído do sindicalismo do ABC, com uma mentalidade industrialista e extrativista, herdeira do nacional-desenvolvimentismo, que vai na contramão de uma agenda de vanguarda no campo ambiental”, completa o acadêmico. O terceiro mandato de Lula ainda está no trecho inicial dos quatro anos de administração. A presença dele em eventos internacionais expressivos é indiscutível. O saldo, em dezembro de 2026, quando termina este governo, é a incógnita entre a quantidade de fotos oficiais em que o presidente vai aparecer e resultados práticos que irão situar o Brasil na linha da história do século 21.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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