Mesmo ausente da cúpula do G20, Putin deixou claro que sua influência é incontestável

Reunião terminou com documento condenando a guerra, mas sem citar nominalmente a Rússia como agressora

  • Por Marcelo Favalli
  • 12/09/2023 14h39
PAVEL BEDNYAKOVSPUTNIK/KREMLIN/EFE/EPA Vladimir Putin está em visita ao Extremo Oriente, onde participará na EEF 2023 Vladimir Putin tem evitado viagens para países signatários do Tribunal Penal Internacional

O ministro russo das Relações Exteriores, Serguei Lavrov, passou a fazer as vezes de vice-presidente, cargo que, aliás, não existe na Rússia. O chanceler tem representado Vladimir Putin em encontros internacionais que a Rússia considera relevante. Antes do G20, na Índia, no segundo fim de semana de setembro, Lavrov falou em nome do presidente no encontro dos Brics, na África do Sul, em agosto. Existe um mandado de prisão contra Putin emitido pelo Tribunal Penal Internacional. O líder russo foi condenado por tráfico de crianças na invasão à Ucrânia. Para evitar algum tipo de crise diplomática — porque cabe cada país signatário do TPI executar a ordem de captura —, Putin não tem saído da Rússia. Em termos de decisões políticas, ele não precisa. Sua influência precede a presença. Prova disso é o parágrafo da resolução assinada pelos presentes no G20.

Quando a cúpula tratou da guerra, que já passou de um ano e meio, a carta final se apoiou em eufemismos e obviedades para poupar as potências de ter de condenar um dos seus pares. O texto que encerrou a reunião traz a seguinte frase: “Abster-se da ameaça ou do uso da força para procurar a aquisição territorial, contra a integridade territorial, soberania ou independência política de qualquer Estado”. Nada de novo. Todos os presentes em Nova Delhi corroboram a carta dos Direitos Humanos das Nações Unidas. Na lista de compromissos que baliza a ONU desde 1948, está o pacto dos Estados respeitarem a soberania alheia. A resolução que concluiu o G20 de 2023 ainda desaprova o uso de armas nucleares, menciona o sofrimento humano causado por conflitos e tenta limpar a própria barra, lembrando que aquele encontro dos países industrializados tem objetivos econômicos e pautas de desenvolvimento e preservação. Questão bélicas devem ser tratadas no Conselho de Segurança, na qual a Rússia é membro permanente, com poder de veto a qualquer decisão desfavorável e ela mesma.

Na linguagem diplomática, muitas vezes a forma diz mais que o conteúdo. O G20 da Índia teve como anfitrião o presidente Narendra Modi, que vai enfrentar nova eleição ano que vem, assim como Vladimir Putin, diga-se de passagem. Em comum, os dois estão calçados em discursos nacionalistas. O elo entre eles são alianças econômicas ampliadas justamente devido à guerra. Com o Ocidente fechando a porta para Moscou, dois gigantes — China e Rússia — passaram a consumir o excedente de combustível e alimento que sobrou na Rússia, com os embargos impostos por Estados Unidos, Canadá, Reino Unido e União Europeia. Neste momento delicado, politicamente falando, e tão vantajoso — economicamente falando —, Narendra Modi não iria entrar em desacordo com o Kremlin. O fiel escudeiro e chanceler Serguei Lavrov disse, antes de voltar para casa, que o G20 na Índia tinha sido um “sucesso incondicional”. Mesmo ausente, Putin se fez muito presente.

Existe uma regra não escrita nas relações internacionais: países não têm amigos. Países têm interesses. Por causa dos interesses, constituem aliados. E os aliados mudam conforme mudam os interesses. A explicação se encaixa perfeitamente na situação atual do G20. Reparem que, na edição passada do encontro dos 20 Estados mais industrializados do mundo, a ata da reunião condenava — explicitamente — a Rússia pela invasão à vizinha Ucrânia. A cúpula anterior foi em Bali, na Indonésia, cuja relação com a Rússia é bem mais distante. Depois de olharmos o que aconteceu ano passado e este ano, fica a pergunta: como será o texto final do G20 de 2024, que terá o Brasil do presidente Lula como cabeça de chave?

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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