Putin ordena que mercenários jurem lealdade e se consolida como autocrata

Decreto foi publicado dois dias depois da morte de dois líder dos paramilitares que ameaçaram um levante contra as Forças Armadas russas

  • Por Marcelo Favalli
  • 29/08/2023 19h44
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YURI KOCHETKOV/EFE/EPA Uma mulher russa está sentada em um ponto de ônibus em frente a um cartaz anunciando o recrutamento militar mostrando soldados russos e a inscrição 'Junte-se ao seu. Trabalho de verdade. Mulher sentada em um ponto de ônibus em Moscou em frente a um cartaz anunciando o recrutamento militar

Yevgeny Prigozhin é o principal nome da lista dos dez passageiros que morreram na queda do avião de pequeno porte, nos arredores de Moscou, na quarta-feira passada. Outra vítima igualmente importante, mas menos internacionalmente famosa, é Dmirti Utkin, quem, aliás, deu nome ao grupo Wagner. Os dias seguintes ao (suposto) acidente respeitaram a cartilha pós-tragédia de qualquer governo: promessas de profundas investigações, condolências às famílias e homenagens póstumas. Só que, neste caso, existe um elemento de exceção: Vladimir Putin. Ele não é um presidente qualquer. Em pronunciamento na TV, o líder russo citou as conquistas do aliado morto, mas deu mais peso ao que chamou de “erros graves” que o combatente teria cometido em vida.

Putin não explicitou nada. E nem precisou. Para bons entendedores, meia palavra basta. A morte daqueles que encabeçavam o grupo mercenário essencial para as operações militares do Kremlin no exterior se deu por meio de um desastre aéreo cheio de suspeitas. O que reforça a suspeita de sabotagem no avião é o fato de que mais de 40 milionários — todos do círculo de poder de Vladimir Putin — morreram nos últimos dois anos, também sob circunstâncias questionáveis.

A relação entre o presidente e o chefe dos paramilitares ficou insustentável no final de junho, quando Prigozhin ameaçou agrupar seu pelotão e invadir Moscou. A capital entrou em estado de alerta. Foram três dias de tensão, que terminaram com o acordo de que o grupo Wagner iria se exilar na vizinha Belarus, o que aconteceu em partes. O próprio Prigozhin, que deveria ser o primeiro a se mudar, foi visto perambulando pela Rússia em diferentes ocasiões. Terminou carbonizado entre os destroços do jato que deveria pousar em São Petersburgo, sua cidade natal.

Dois dias depois do caso, Putin assinou um decreto obrigando todo e qualquer mercenário a jurar lealdado ao Estado russo. Elementos importantes em ações militares do Kremlin no exterior, as milícias particulares continuarão operando sem margem para questionamentos das decisões do Alto Comando. Apoiado na prerrogativa de que a emenda se trata de um tema ligado à segurança nacional, o presidente não precisou da aprovação do Congresso. Tampouco, o texto seria barrado. Putin tem total apoio do legislativo. Recentemente, duas decisões do Judiciário irão ajudar em mais uma reeleição do líder. Seu principal rival político, Alexei Navalny, recebeu duas sentenças de prisão que o manterão recluso por três décadas, caso não haja reversão da pena. A comunidade internacional e organizações que defendem os direitos humanos veem exageros, a começar pelas acusações de traição e sabotagem. O réu, por sua vez, defendeu-se dizendo que apenas organizava protestos contra o governo.

Na risca da teoria política, esta força conquistada por Putin tem nome: autocracia. Trata-se de regime em que o poder está concentrado em uma única pessoa. Em alguns casos, na mão de um grupo muito privilegiado. Na Rússia, vê-se, na prática, o que está nas páginas dos livros. A força de um autocrata ainda é limitada pelas demais instâncias da república. Porém, o legislativo e o judiciário de uma autocracia estão alinhados com o ideal do governo federal. Reparem como a descrição coincide com a administração de Vladimir Putin. Ainda na esteira da teoria — que comprova esta análise na prática —, o Kremlin se comporta de acordo com a descrição do “pluralismo limitado”, dentro do conceito de autocracia. Segundo a regra, nem toda oposição é erradicada. Existe pluralismo político limitado, inclusive para o chefe de governo não ser acusado de ditador. No entanto, as legendas sobrevivem ao formarem coalizões com o partido majoritário. Os rivais até são mantidos vivos, mas respirando por aparelhos. A oposição dificilmente acumula força para ameaçar o status quo.

A influência de Putin sobre as instituições que deveriam evitar o surgimento de qualquer tirania foram sendo usurpadas aos poucos. O crescimento de Putin nos corredores do poder russo foi silencioso, vagaroso e estratégico. O presidente conseguiu uma blindagem que envolve parlamentares, a Suprema Corte, as Forças Armadas e uma quantidade expressiva do eleitorado. Há 20 anos no poder, ele mudou a Constituição para garantir reeleições até a década de 2030. Quanto pertencer às páginas da História, também já conseguiu.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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