Cancelamento das redes sociais chegou na ‘Bruxa do 71’ do seriado ‘Chaves’
Dona Clotilde é acusada de ‘normalizar a cultura do estupro’, ao fazer seguidas investidas sem consentimento e correspondência da parte de ‘Seu Madruga’; o mundo, como nunca, precisa ser curado, e basta de alucinação
A palavra que deveria iniciar este artigo é alucinação. Ela se repete a cada semana, quando dou de cara com notícias que atentam para a pequenez humana, a doidice, julgamentos desencontrados e falta de empatia. Posso parecer repetitivo, mas, outra vez, os politicamente corretos decidiram massacrar uma personagem clássica, agora de um famoso seriado da TV mexicana, a “Bruxa do 71”, da série “Chaves”. Assim como em relação à pandemia, as pessoas parecem anestesiadas, sem senso de lógica de humanidade e solidariedade com o próximo. Miram o próprio umbigo, destruindo carreiras, não se importando com o outro. A personagem Dona Clotilde, representada por Angelis Fernández, a “Bruxa do 71”, entrou para o rol dos cancelamentos nas redes sociais, acusada de “normalizar a cultura do estupro”. Segundo os inquisidores, fazia constantes investidas, sem sucesso, ao personagem “Seu Madruga”, interpretado por Ramón Valdés. A censura ocorreu logo após personagens famosos dos desenhos animados, como “Pepe Le Gambá”, também terem sido alvo de cortes e censura.
Maria de los Ángeles Fernándes Abad, a “Bruxa do 71”, nasceu em Madrid, no ano de 1922 e faleceu na Cidade do México, em 1994. Atriz espanhola, naturalizada mexicana, antes de ingressar no seriado “Chaves”, Angelines, militante da Guerra Civil Espanhola, teve que fugir de seu país de origem, perseguida pela ditadura de Franco. Tornou-se conhecida como atriz de novelas na TV e na rádio. Tendo sua história silenciada, por ser considerada uma feminista e antifascista, se vê novamente cortada, desta vez, do cenário dos seriados, acusada de incentivar a “cultura do estupro” com a sua personagem “Bruxa do 71”.
Derrocada começou com o cancelamento de ‘Pepe Le Gambá’
A polêmica com a personagem do seriado mexicano começou com a derrocada de “Pepe Le Gambá”, desenho da Warner Bros, por uma reportagem do colunista Charles M. Blow, do “New York Times”, sob a acusação de Le Gambá ser responsável por perpetuar a cultura do estupro, em suas tentativas de conquistar a gatinha. Em plena pandemia, a família do personagem “Chaves”, que hoje detém os direitos de exploração da série, negociada com o canal Televisa, desconhecia o que estava por vir. Ao tomar conhecimento de que a série seria tirada do ar, não podia imaginar que a razão para tal era a “propriedade intelectual”. Novamente, estamos diante de mais uma “guerra” inútil, arrancando do público personagens que poderiam entreter as pessoas, nos momentos de tensão vividos no mundo todo em razão da pandemia. Lastimável. E agora, a tentativa de censura por suposto crime de incentivo ao estupro. Nas redes sociais, um movimento pede o cancelamento de Dona Clotilde. De acordo com os autores desse ato, na Espanha, a “Bruxa do 71” é acusada de fazer seguidas investidas, sem consentimento e correspondência da parte de “Seu Madruga”, ao personagem, tido como “vítima”. Muitos fãs do seriado consideram essa atitude um tanto exagerada, enquanto a família de “Chaves” prepara um novo filme sobre o personagem. O que me intriga nisso tudo é como as mesmas pessoas que levam anos para fazer com que um personagem seja reconhecido pelo público e pela crítica, passam a massacrá-lo de uma hora para outra, perdendo completamente o senso de justiça e aceitação, tentando induzir um sentimento de anulação do passado. Triste de se ver.
No Brasil, de acordo com dados fornecidos pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI, a família das marcas “Chaves”, foi transferida para o filho de Bolaños, intérprete de “Chaves”, Roberto Gómez Fernández, e continua em vigência. Os direitos autorais são válidos por setenta anos, após a morte do autor, de acordo com as leis brasileiras. Devido a questões burocráticas entre a família de “Chaves” e a Televisa, o seriado está suspenso no Brasil. Perde-se, com isso, a perpetuação de algo que faz parte de muitos, que como eu, guardam momentos divertidos, que preenchiam nossas tardes em frente à TV. Em uma entrevista ao jornal mexicano “El Universal”, o filho de Bolaños falou a respeito de um novo filme sobre a origem do “Chaves”. Segundo ele, “Temos algumas possibilidades de criar algo novo, sem ser um revival. O que foi feito com o elenco original, não pode ser repetido. Há uma história que nunca foi para a televisão: a origem de Chaves”. Mal sabia ele o que estava por vir. A censura não avisa quando vai chegar. Espero que não seja criado nenhum novo personagem, passível de “cortes”. Vamos aguardar.
Hoje, vivemos um momento de reflexões, reavaliação de crenças e valores, em que não cabem sentimentos de disputas descontroladas, ódio em massa, falta de empatia e generosidade com o próximo. Milhares de pessoas estão morrendo, outras perdendo seu emprego, e parece que nada mudou. A pequenez do ser humano se faz estampar em atitudes como essas, em que se “cancelam” não apenas personagens de seriados e filmes, mas pessoas, que de algum modo fizeram parte da vida de muitos. A pandemia deveria ter trazido um sentimento de preservação do que um dia nos fez bem. Mas o que vê é um ódio crescente por tudo e todos que não preenchem as expectativas de muitos. Por outro lado, essas pessoas, muitas delas, nem sabem o porquê aderem ao movimento “eu sou do contra”. Uma pena. O mundo, como nunca, precisa ser curado. Basta de alucinação.
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