A diplomacia brasileira enfrenta um dos maiores desafios da sua história

Como ser ao mesmo tempo ético nessa disputa entre Rússia e Ucrânia e não desagradar a todos os lados dos quais somos dependentes?

  • Por Reinaldo Polito
  • 03/03/2022 09h00
Gustavo Magalhães/MRE - 22/02/2022 Jair Bolsonaro e Carlos França Itamaraty pode não ter tomado o caminho que muitos desejavam, mas firmou posição e fez um apelo pela solução diplomática para o conflito

Não gosto do Putin. Se não fosse por outros argumentos, bastaria censurar o fato de ser um ditador. Abomino o que a Rússia está fazendo com o povo ucraniano. Condeno qualquer país, independentemente dos motivos, que invada outra nação. Mesmo porque as verdadeiras causas quase sempre são inconfessáveis. Tendo deixado clara a minha posição, podemos agora analisar a postura do Brasil diante da guerra entre Rússia e Ucrânia. E, como sabemos, um conflito que não envolve apenas os dois países, mas também a comunidade internacional, que já tomou partido desde o princípio.

Olhando de fora, quase ninguém teria dúvidas sobre a atitude que nosso país deveria adotar. Bastaria observar quais são as nações que se aliaram aos russos: Venezuela, Irã, Síria, Nicarágua, Cuba. Será que precisaríamos mencionar outros? Se o Brasil apoiasse a Rússia, estaria se aliando ao que existe de pior no mundo antidemocrático. Olhando por dentro, entretanto, a decisão não é tão simples como pode parecer à primeira vista. O agronegócio brasileiro é dependente dos fertilizantes que importamos da Rússia. São 20% dos nitrogenados, 28% dos potássicos e 15% dos fosfatados. Seria impossível substituir o fornecedor dessas matérias-primas.

Não é necessário fazer muita conta para saber que se ficarmos sem os fertilizantes da Rússia, a locomotiva da economia brasileira irá despencar. As consequências são inimagináveis. Nossa agricultura depende dos fertilizantes como nós dependemos do ar para respirar. Do outro lado da equação temos os países que impõem sanções aos russos, e que pressionam o Brasil para que se oponha a Putin. Se juntarmos os Estados Unidos e a Europa, só para uma reflexão rápida, vamos encontrar os maiores compradores dos produtos brasileiros. Sem os negócios com esses parceiros sucumbiríamos. A decisão é extremamente complexa e delicada, pois acima de tudo devemos levar em conta as conveniências do nosso país.

Como ser ao mesmo tempo ético nessa disputa e não desagradar a todos os lados dos quais somos dependentes? Bravatas, e ações açodadas devem ficar distantes da nossa própria mesa de negociações. É um verdadeiro dilema. Todas as saídas podem apresentar prejuízos irreversíveis. E como faz falta num momento como esse um Barão do Rio Branco. Como usaria sua genialidade para resolver essa intrincada questão?

Não que a nossa diplomacia seja incompetente. Ao contrário, temos uma das equipes diplomáticas mais bem-preparadas e admiradas do mundo. Nossa tradição nesse campo é exemplar. Por isso, procuram seguir os princípios estabelecidos por Rio Branco quando ocupou o ministério das Relações Exteriores por dez anos, de 1902 a 1912. Um deles é o que chama mais atenção: não resolver litígios por meio da força e sim da diplomacia.

O Brasil seguiu esse preceito condenando o confronto, pedindo paz e que tudo seja resolvido com o diálogo. Até quando, todavia, essa postura de imparcialidade e neutralidade poderá perdurar? Como disse Maquiavel: “Caso o príncipe prefira a neutralidade durante uma briga de dois poderosos, é bom se preparar para enfrentar as consequências, pois, quem vence não quer amigos suspeitos e que não ajudem nas adversidades; quem perde não te aceitará porque não quiseste, de armas na mão, correr a mesma sorte”.

Talvez o Itamaraty não tenha tomado o caminho que muitos desejavam, mas dentro do DNA diplomático firmou sua posição: “O governo brasileiro acompanha com grave preocupação a deflagração de operações militares pela Federação da Rússia contra alvos no território da Ucrânia. O Brasil apela à suspensão imediata das hostilidades e ao início de negociações conducentes a uma solução diplomática para a questão, com base nos Acordos de Minsk e que leve em conta os legítimos interesses de segurança de todas as partes envolvidas e a proteção da população civil”.

Na mesma linha se expressou o embaixador do Brasil, Ronaldo Costa Neto, ao discursar na sessão extraordinária da Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU) no dia 28: “Acreditamos que o Conselho de Segurança ainda não exauriu os instrumentos que tem à disposição para contribuir para uma solução negociada e diplomática, a caminho da paz”. Antes de criticarmos as ações do governo é preciso ponderar tudo o que está em jogo, e quais as consequências das decisões a serem tomadas. O momento é difícil. Talvez seja um dos episódios mais desafiadores da nossa diplomacia. Siga pelo Instagram @pollito

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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