Bolsonaro é um tremendo marqueteiro

Qualquer um seria capaz de deduzir que a campanha bolsonarista em 2018 tinha tudo para não dar certo, mas a habilidade política do presidente muitas vezes está além da compreensão momentânea

  • Por Reinaldo Polito
  • 07/04/2022 08h00 - Atualizado em 07/04/2022 09h53
Anderson Riedel/PR - 07/05/2021 Bolsonaro passeia de moto em uma via, com carros ao lado e o ministro Tarcísio na garupa Jair Bolsonaro pilota uma moto com Tarcísio de Freitas; segundo o ex-ministro, ausência de capacete foi estratégia para fisgar a imprensa

Até hoje as pessoas se perguntam: como foi que Bolsonaro, sem dinheiro, sem coligações políticas, sem tempo de televisão, sem projeção nacional, conseguiu sair das catacumbas do baixo clero da Câmara dos Deputados e se eleger Presidente da República? Ao rever os comentários que os especialistas políticos faziam na época das eleições de 2018, concluímos que vencer o pleito foi mesmo um verdadeiro milagre. As previsões eram a de que o “pretensioso capitão” jamais chegaria ao segundo turno. E, se chegasse, perderia para todos os concorrentes. Quase ninguém apostava naquele homem tosco que não abaixava a cabeça para o politicamente correto. Dizia tudo o que lhe vinha à mente, sem nenhum filtro em suas palavras.

O cenário da sua campanha, então, era uma verdadeira piada: mesa coberta com toalha improvisada, jarra de plástico com suco, moringa de barro para água, raquete para matar mosquito, bandeira do Brasil toda desalinhada ao fundo, presa com fita isolante — que, de vez em quando, despregava —, camisa esporte de manga curta e celular para gravar e transmitir seus discursos. Qualquer um seria capaz de deduzir que se valia de todos os ingredientes para não dar certo. Sua oratória era a mais rudimentar possível. Transmitia mensagens curtas, veementes e repetitivas. Não podia contar com tempo de televisão, pois só possuía oito segundos para dizer tudo o que precisava. Ou seja, Bolsonaro tinha à disposição meio Enéas Carneiro.

Para driblar esses obstáculos todos, contou com as redes sociais. Seu filho Carlos foi extremamente habilidoso para fazer com que cada eleitor compartilhasse as mensagens do candidato. Ele se valeu do que ficou conhecido como as “tias do zap”, as senhoras que compartilhavam com entusiasmo todas as informações de Bolsonaro. E foi assim, contrariando todos os prognósticos, que ele chegou ao Palácio do Planalto. Eu me lembro de quando dei aulas para o ex-ministro João Mellão Neto. Perguntei a ele como foi a experiência de ter atuado como secretário de Administração na Prefeitura de São Paulo com uma pessoa tão imprevisível como Jânio Quadros. 

Melão disse que Jânio havia sido o político mais lúcido e brilhante que conhecera. Na hora de despachar, não era preciso completar as frases, já que ele entendia tudo na primeira palavra. Depois, para pôr em prática o que haviam decidido, entretanto, aproveitava para fazer o seu marketing. Pendurava chuteiras na porta, vestia camisa do Corinthians e outras estrepolias que o levavam às primeiras páginas dos jornais. Deu como exemplo o dia em que Jânio tomou posse na prefeitura em 1986. Seu adversário Fernando Henrique Cardoso, atendendo ao pedido da revista “Veja”, posou para uma foto sentado na cadeira do prefeito, pois todos tinham certeza de que ele seria o vencedor. Não venceu. E o novo prefeito não perdoou. Antes de sentar, com uma bomba de inseticida, Jânio borrifou a cadeira e fez o seguinte comentário: “Gostaria que os senhores testemunhassem que estou desinfetando esta poltrona porque nádegas indevidas a usaram”. Pronto, conseguiu assim, com esse gesto teatral, ser protagonista na imprensa em todo o país.

Bolsonaro não fica devendo nada em termos de competência estratégica para se promover. Há poucos dias, o pré-candidato ao governo de São Paulo Tarcísio Gomes de Freitas comentou que, na inauguração da ponte Abanuã, no Acre, o presidente pediu que ele subisse na garupa de uma moto, e fizeram a travessia da ponte várias vezes, sem o uso de capacete. No final, Bolsonaro perguntou a Tarcísio qual seria a notícia na imprensa. O ex-ministro disse: “Que estamos sem capacete”. Bolsonaro concordou. E emendou: “Exatamente, vão falar que atravessamos a ponte sem capacete, mas vão falar da ponte. Da inauguração dessa ponte que levou décadas e, do contrário, ninguém ia falar”. E, para esclarecer bem o que pretendia com aquela atitude, perguntou: “Essa foto nossa atravessando a ponte, você acha que ganha quantas curtidas?”. Diante da resposta de Tarcísio de que não tinha ideia, revelou: “Nas primeiras horas, 3 milhões de curtidas nas minhas redes sociais. Sabe o que é isso, Capita (tratamento dado por Bolsonaro a Tarcísio)? Publicidade de graça”.

Ainda que a imprensa não tivesse nenhum interesse em destacar os feitos do governo, foram obrigados a noticiar aquela inauguração. Por isso, algumas pessoas não entendem bem certos comportamentos de Bolsonaro. A habilidade política do presidente muitas vezes está além da compreensão momentânea. Não é por outro motivo que depois de ser criticado até pelos seus seguidores por certas atitudes, no fim o fato acaba se revelando positivo para ele. Na campanha que se avizinha, teremos muitos episódios desse espírito marqueteiro de Bolsonaro. Vai ser interessante acompanhar como ele agirá para que os seus discursos cheguem até o eleitorado. Assim, quando o presidente proferir um palavrão ou discutir com determinado jornalista, vamos observar o que efetivamente está por trás daquela atitude aparentemente estranha. Siga pelo Instagram @polito.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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