Deveríamos incentivar cursos profissionalizantes e deixar faculdades apenas para quem tem vocação?

Fala de Milton Ribeiro sobre falta de utilidade prática dos cursos superiores para uma parte da população incomodou, mas grandes organizações já deixam de empregar só quem tem diploma universitário

  • Por Reinaldo Polito
  • 26/08/2021 12h07
JOSÉ PATRÍCIO/ESTADÃO CONTEÚDO Alunos mexendo em uma barra de ferro durante um curso profissionalizante na Etec Alunos na aula de mecânica pneumática e eletrônica na Escola Técnica Estadual de São Paulo (Etec)

O que será que aconteceu com o Ministério da Educação? Até há pouco tempo, dia sim, outro também, pipocavam notícias descendo a lenha nos ministros responsáveis por essa pasta. Tanto assim que o presidente Jair Bolsonaro foi obrigado a trocar vários deles para dar uma tranquilizada na pancadaria. O último, Abraham Weintraub, precisou até fazer as malas e se mudar para os Estados Unidos. Depois que Milton Ribeiro assumiu o ministério, não tenho ouvido muito falar do seu nome. Uma notícia aqui, outra acolá, mas nada tão rumoroso quanto antes. Nos últimos dias, entretanto, o homem saiu das sombras. No sábado, dia 21, no encontro com representantes dos governos municipais, em Nova Odessa, no interior de São Paulo, o ministro resolveu transitar por terrenos movediços. Colocou o dedo em uma velha ferida que talvez nunca seja cicatrizada: a falta de utilidade prática dos cursos superiores para boa parte da população brasileira.

Ribeiro tem a seguinte teoria: de que adianta o jovem ir em busca de “diploma na parede” se valendo do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies)? “Depois termina o curso e fica endividado porque não tem emprego”. De acordo com seu raciocínio “o Brasil precisa de mão de obra técnica profissional. Depois o moço ou a moça faz esse curso, (eles) arrumam emprego, e falam que gostariam mesmo é de ser doutor. Eu fiz o curso técnico em veterinária, já tenho emprego, mas quero ser médico veterinário”. Esse é um aspecto da educação que precisa ser considerado. Quando fui presidente da Academia Paulista de Educação, esse era um debate recorrente nas nossas reuniões. Se pensarmos bem, não há mesmo oportunidade de trabalho para essa imensa quantidade de jovens que conclui os cursos superiores. Um curso técnico profissionalizante, especialmente na área de tecnologia, abre as portas para quem esteja preparado para atuar nesse segmento. O importante é que a pessoa tenha competência para realizar o trabalho.

Uma informação surpreendente é que grandes organizações como Apple, Google e IBM deixaram de empregar apenas quem tivesse diploma universitário. Em 2017, por exemplo, a vice-presidente de talentos da IBM, Joanna Daley, disse à CNBC que cerca de 15% dos colaboradores contratados pela empresa nos EUA não têm graduação. Tive um aluno, dono de uma das maiores companhias do mundo em desenvolvimento de games, que me confidenciou um dado alarmante – ele perdia milhões de dólares por ano porque não possuía profissionais qualificados para essa atividade. Comentou que não se preocupava nem um pouco se o funcionário tinha ou não cursado uma faculdade. Se soubesse desenvolver os projetos, estava empregado. A lista de nomes poderosos que não concluíram o ensino superior é extensa, como, por exemplo, Steve Jobs, Mark Zuckerberg, Julian Assange, Bill Gates, Michael Dell, entre outros. Para não ir muito longe, aqui no Brasil temos Silvio Santos, Eike Batista e os falecidos Sebastião Camargo e Samuel Klein. Por enquanto, os sem diploma encontram caminho livre mais nas empresas de tecnologia, pois ainda existe certa resistência de alguns empregadores de outros setores quando não veem o canudo na mão do pretendente ao cargo. O cenário, entretanto, está mudando.

Sou presidente da ONG Via de Acesso. Fazemos capacitação e inserção de jovens no mercado de trabalho. Tenho conversado muito com o nosso superintendente geral, Valdir Scalabrin, e constatamos já algumas mudanças. Por exemplo, as empresas queriam admitir apenas alunos formados por “escolas de primeira linha”. Agora, muitas já dão preferência por “alunos de primeira linha”, os que tiveram de ralar muito para superar os desafios da vida e que, por isso, estariam mais aptos a encontrar soluções para os problemas que são tão comuns nas organizações. Por outro lado, precisamos ir de leve com o andor. Quem tem curso superior e consegue se empregar, recebe salários entre três a cinco vezes mais elevados que os que não se formaram nas faculdades. O problema é que só alguns conseguem essa proeza. As opções não são excludentes. Dá para fazer o curso técnico profissionalizante, e, como disse Milton Ribeiro, se tiver vocação, continuar sua vida escolar num curso superior. Por isso, ouço com atenção e reflito sobre essas ponderações do ministro – será que não está na hora de incentivar de maneira mais intensa os cursos profissionalizantes? Será que não deveríamos deixar as faculdades apenas para aqueles que tenham mesmo essa vocação para a academia? Essa é uma reflexão que o país deveria fazer com urgência. Siga no Instagram @polito.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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