Lula e Bolsonaro chutam de canela, mas batem um bolão
Ex-presidente e presidente têm inúmeros defeitos quando o assunto é comunicação, mas ocupam um lugar de destaque na galeria dos bons oradores
Você acha que Bolsonaro é um bom orador? E Lula? Antes de responder, pense no desempenho deles diante do microfone. Poderíamos apontar inúmeros defeitos na comunicação de cada um. Só para citar alguns, os dois têm problemas sérios de dicção. Pronunciam mal as palavras e, em determinados momentos, chegam até a suprimir sílabas inteiras. Cometem erros gramaticais primários. Depois de tanto tempo lendo discursos, nenhum deles aprendeu como manter corretamente o contato visual com a plateia. Bolsonaro faz pausas inadequadas no meio das frases, truncando o raciocínio. Usa palavrões desnecessários, às vezes até fora de contexto. Esse vocabulário vulgar não é adequado à liturgia do importante cargo que ocupa como chefe do Executivo da nação. Tem o vício de dizer “talkey” no final de algumas frases, e em certas circunstâncias com tanta frequência que se transforma em ruído na comunicação.
Lula costuma não refletir muito sobre o que vai dizer. Tanto que nos últimos tempos tem produzido alvoroço nas hostes petistas com declarações impensadas que podem comprometer sua campanha para voltar à presidência. Tem o vício de dizer com bastante frequência “sabe” no final das frases. E em suas últimas apresentações tem exagerado no movimento repetitivo do braço à frente do corpo. Esse gesto, chamado de marcação, não tem como objetivo identificar o sentido da mensagem, mas sim o de marcar o ritmo e a cadência da fala. Por isso deve ser bem mais moderado. Apesar desses e de tantos outros aspectos negativos na comunicação de cada um, os dois podem ser considerados excelentes oradores. O problema que surge em uma análise dessa natureza é que, como são políticos, quase sempre quem não for simpatizante da ideologia deles tende a não gostar também do orador. Por isso, vamos nos ater apenas à capacidade que cada um tem para se expressar em público.
A qualidade oratória deve ser medida especialmente pelos resultados. De nada adianta uma pessoa falar com toda correção técnica se não consegue atingir seus objetivos. Se, por exemplo, determinado profissional apresenta um projeto na reunião da empresa, e se expressa pronunciando bem as palavras, posicionando-se com postura elegante, gesticulando de maneira harmoniosa, comunicando a mensagem com voz sonora e bem timbrada, mas não consegue a aprovação do seu trabalho, não é possível dizer que sua oratória tem boa qualidade. Por outro lado, se alguém na mesma situação, se apresenta com dicção defeituosa, voz roufenha, gestos descoordenados, postura deselegante, e, mesmo assim, se sai vitorioso em sua empreitada, com certeza, nesse caso, foi um bom orador. Quando avaliamos a comunicação dos dois candidatos ao Palácio do Planalto, temos de considerar o que cada um já conseguiu com a sua oratória.
Lula deixou o seu segundo mandato, depois de oito anos como presidente, com cerca de 85% de aprovação. Circulou com desenvoltura e foi aplaudido com admiração em países de praticamente todos os continentes. Ninguém conseguiria uma proeza dessa magnitude se não se comunicasse bem. Bolsonaro venceu as eleições em 2018 contra os prognósticos de quase todos os analistas. Saído do baixo-clero da Câmara dos Deputados, sem recursos financeiros, sem tempo de televisão, sem coligações partidárias, e chegou à chefia do executivo. Era risível ver a precariedade dos seus programas eleitorais. Gravou seus pronunciamentos com um aparelho celular, tendo como cenário uma bandeira do Brasil presa com fita isolante, sentado atrás de uma mesa simples, apenas com uma jarra de suco e uma raquete para matar mosquitos. Por mais que se conteste a capacidade de comunicação de cada um, seus feitos os credenciam a ocupar lugar de destaque na galeria dos bons oradores. Que não se enganem aqueles que veem apenas a aparência superficial de seus discursos. São exatamente essas palavras simples, essas frases quase sempre mal concatenadas que fazem suas mensagens chegar ao coração dos eleitores. Siga pelo Instagram @polito
*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.
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