Ministro levar bronca de presidente é normal?

‘Alckmin tem que ser mais ágil. Tem que conversar mais. O Haddad, em vez de ler um livro, tem que perder algumas horas conversando no Senado e na Câmara’, disse Lula, em evento no Palácio do Planalto

  • Por Reinaldo Polito
  • 25/04/2024 09h01 - Atualizado em 25/04/2024 13h04
Ricardo Stuckert /PR Lula Haddad e Alckmin lançam Acredita Durante lançamento do Programa Acredita, Lula não vacilou em encontrar entre os ‘companheiros’ mais próximos alguém para levar umas chibatadas

Legislativo e Executivo vivem medindo forças. O governo precisa do Parlamento para aprovar seus projetos. Essa articulação nem sempre é simples. Os senhores congressistas são insaciáveis. Assim que um de seus pleitos é atendido, imediatamente passam a fazer outras exigências. Nesse vaivém de pedidos e concessões, chega determinado momento em que o governo perde a paciência. Como não pode vociferar contra aqueles que estão do outro lado da Praça dos Três Poderes, sobra, às vezes, para quem estiver mais perto. Mais ou menos como o conhecido ditado: “soldado que ronda quartel em dia de folga quer serviço ou cadeia”. Haddad, Alckmin e outros quetais não estavam de folga, mas deram azar de rondar “o quartel”. Por isso, se transformaram em alvo da metralhadora presidencial. Indignado com a falta de resultado para os seus projetos, durante o evento de lançamento do Programa Acredita, realizado no Palácio do Planalto, Lula não vacilou em encontrar entre os ‘companheiros’ mais próximos alguém para levar umas chibatadas: “Isso significa que Alckmin tem que ser mais ágil. Tem que conversar mais. O Haddad, em vez de ler um livro, tem que perder algumas horas conversando no Senado e na Câmara. O Wellington e o Rui Costa têm que passar a maior parte do tempo conversando com a bancada A, com a bancada B”.

E para que o puxão de orelhas não parecesse tão severo, com a larga experiência que adquiriu ao longo de tantos anos como presidente, deu uma aliviada em seu próprio comentário. Procurou mostrar que no exercício da atividade política é assim que tudo funciona: “É difícil, mas a gente não pode reclamar, porque a política é exatamente assim. Ou você faz assim, ou não entra na política. A política é a arte que permite a gente viver na diversidade com as pessoas, porque a gente tem divergência”. E Lula tem razão. Ou será que com Bolsonaro a história foi diferente? Não só não foi, como é possível dizer que a situação chegou a ser ainda mais complicada. Como não faz tanto tempo assim, lembramo-nos de que o então presidente recebeu críticas durante os quatro anos de governo por não saber articular.

Diziam que as reformas necessárias ao país não caminhavam por falta de diálogo entre o chefe do Executivo e os parlamentares. Se Lula tem hoje uma pedra no sapato chamada Arthur Lira, Bolsonaro também teve um presidente da Câmara para chamar de seu, Rodrigo Maia. Lira perto de Maia pode ser considerado um ‘gentleman’. O ex-presidente da Câmara não apalpava. Deitava e rolava quando o assunto era articulação política. A questão era tão extremada que até quando o resultado se mostrava positivo, Maia não perdia a chance de dar umas cutucadas. Um bom exemplo foi o dia em que a Reforma da Previdência recebeu parecer favorável da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara dos Deputados. Enquanto os deputados que compunham a base do governo comemoravam, lá estava Maia destilando veneno. Acusou Bolsonaro de omisso e autocrático: “A gente precisa que o governo tenha uma base no sistema democrático. Não é um sistema autocrático, onde o governo impõe a sua posição. Nós vivemos numa democracia, e a decisão de hoje reafirma nossa democracia”.

Pois é, depois de agir para boicotar todas as iniciativas do Executivo, Maia ainda procurou capitalizar para si os louros da vitória e desqualificar a imagem do seu adversário. Ele sabia que estava com a faca e o queijo nas mãos, e Bolsonaro, se desejasse ter alguma esperança de boa convivência, deveria ouvir calado. Dilma e Temer também viveram o mesmo inferno. Tanto assim que a presidente em determinado momento teve de recorrer ao seu vice, Michel Temer – quem diria! – para ajudá-la a apagar uns incêndios na Câmara. O próprio Temer teve de usar todo seu conhecimento como ex-presidente da Casa para resolver seus problemas na presidência. E para ninguém achar que dar bronca em ministro é “privilégio” só de Lula, não vamos nos esquecer de Bolsonaro rodando a baiana com direito a todos os palavrões de seu repertório para repreender seus ministros naquela famosa reunião do dia 22 de abril de 2020. O encontro que deveria ser fechado, por ordem do ministro Celso de Mello teve de ser divulgado. Ali o presidente também pegou no pé dos ministros. Não sobrou pedra sobre pedra.

Faz parte. Fez muito bem Haddad em não se mostrar ressentido com o episódio. De maneira bem-humorada disse que “esqueceu os livros em São Paulo e está liberado”. Tudo indica que esse episódio não morre por aí. Com a dificuldade de Lula em se acertar com o Parlamento, outras broncas virão. Coitado de quem estiver rondando o quartel. Siga pelo Instagram: @polito

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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