Não somos tão importantes como pensamos

Cada pessoa está preocupada em resolver seus próprios problemas, em dar andamento aos seus projetos, em seguir com seus planos; nem todos estarão interessados no que aconteceu conosco

  • Por Reinaldo Polito
  • 13/06/2024 06h59
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Freepik/wavebreakmedia_micro Close-up of microphone at conference center Lembro-me de um curso de oratória que ministrávamos e a gerente de um dos departamentos mais importantes travou na hora de fazer o discurso

Eu sou importante, você é importante, ele é importante. Todos nós somos importantes, mas não tanto quanto imaginamos. De maneira geral, andamos pelas ruas anonimamente. Quase ninguém nota a nossa presença. Normal. Temos a impressão de que as pessoas estão nos observando e analisando todos os detalhes. Não, ninguém está nem aí conosco. Lembro-me de um curso de oratória que ministrávamos para uma grande organização em Brasília. A gerente de um dos departamentos mais importantes travou na hora de fazer o discurso. Fui conversar com ela para saber o que acontecera. A executiva me confidenciou que estava envergonhada por ter de se apresentar na frente dos colegas.

Ninguém prestava a atenção

Olhei para o grupo. Naquele momento, estavam todos preocupados em preparar o exercício que fariam logo a seguir. Eu pedi que observasse a plateia. Só um ou outro demonstrava interesse. A maioria estava concentrada em suas tarefas. Sua reação foi de surpresa: realmente, cada um está na dele. Depois de respirar aliviada e sorrir muito, continuou sua apresentação como se nada houvesse acontecido. No final, disse que aquela fora uma das lições mais significativas da sua vida: descobrir que não somos assim tão importantes para as outras pessoas como supomos.

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Não era aula

No início da minha carreia, bem no comecinho mesmo, fui convidado pelo Heródoto Barbeiro para participar do seu programa “Mundo corporativo”. Era ainda na Rádio Excelsior, que mais tarde viria a ser a atual Rádio CBN. A entrevista foi por telefone. A sua primeira pergunta foi sobre o medo de falar em público. Eu, muito ingênuo, em vez de dar uma resposta rápida, para permitir que o entrevistador tivesse maior participação, resolvi “ministrar uma aula”.

Resposta longa demais

Comentei sobre o mecanismo do medo, expliquei as causas do medo de falar em público e os meios para combater esse desconforto de as pessoas se apresentarem diante das plateias. Já no meio da minha explanação, ele começou a dizer “ok, professor”. Sem perceber que estava me alongando demais, dizia que já estava concluindo. Em determinado momento, vendo que eu ainda iria demorar muito, me cortou dizendo que a explicação já estava clara. E terminou a entrevista. Em seguida, voltou ao telefone e disse que precisou encerrar porque o rádio é um meio dinâmico e tem audiência rotativa. Por isso, as explicações precisam ser mais concisas.

Sempre envergonhado

Eu queria morrer de vergonha. Embora estivesse no princípio da carreira, imaginei que aquela participação poderia prejudicar a minha imagem profissional. A entrevista desastrosa não me saía da cabeça. Todas as vezes em que lembrava dela, tinha a esperança de um dia voltar a ser entrevistado novamente por ele para mostrar que eu era um bom profissional, e que aquela derrapada havia sido apenas um deslize momentâneo. Muitos anos depois surgiu a oportunidade para me redimir. Recebi um telefonema do próprio Heródoto me convidando para participar do mesmo programa. Aceitei na hora.

Agora me recupero

Pus na cabeça que naquela segunda oportunidade “mataria a pau”. Daria uma boa entrevista. Caprichei. Dei respostas objetivas, de forma leve e descontraída. Fiquei tão à vontade que o tempo passou sem que percebêssemos. Havia dado a volta por cima. No final, mais uma vez ele voltou ao telefone, só que desta vez para me cumprimentar pelo desempenho. Não apenas elogiou como pediu autorização para incluir a minha participação no livro que estava publicando com as 50 melhores entrevistas do programa. Era a confirmação de que eu havia mesmo me saído muito bem.

Nem se lembrava de mim

Todo orgulhoso, respirei fundo e fiz o comentário que estava enroscado na garganta há tantos anos: “Pois é, Heródoto, esta foi bem melhor que a da vez anterior”. Ele surpreso, exclamou: “Da vez anterior?! Você já havia sido entrevistado nesse programa?” Sim, aquela pulga ficara apenas atrás da minha orelha. O entrevistador e, com certeza, os ouvintes nem se lembravam da minha existência. Foi mais um exemplo para eu confirmar o que já havia aprendido: não somos tão importantes para as pessoas como imaginamos ser.

Cada um com seu problema

Por isso, se, por acaso, um dia não formos tão bem ao proferir um discurso, ou ao apresentar um projeto na reunião da empresa, ou em uma entrevista para emissoras de rádio ou televisão, nada de desespero. Muito provavelmente o desconforto daquele fracasso ficará somente nos nossos pensamentos. Sim, cada pessoa estará preocupada em resolver seus próprios problemas, em dar andamento aos seus projetos, em seguir com seus planos. Nem todos estarão interessados no que aconteceu conosco. Pensando assim, depois de cair, será mais fácil levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima. Siga pelo Instagram: @polito

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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