No Dia da Bandeira, Jânio Quadros provou ser mestre na oratória
Comemoramos no dia 19 de novembro o Dia da Bandeira, uma data que, para muitos, simboliza a pátria e o respeito à sua história; dois dias após essa celebração, vale a pena revisitar um episódio marcante
Onde estão os grandes oradores da política? Aqueles que, com palavras bem escolhidas, não só emocionavam multidões, mas também mudavam o curso da história? Sentimos falta deles. Vez ou outra surge um aqui, outro ali, mas com a qualidade que nos acostumamos a ver em décadas passadas, não mais. A oratória é um dos principais recursos para os políticos vencerem as eleições. A história do Brasil é rica em exemplos de oradores excepcionais que ocuparam os mais diferentes cargos eletivos, desde a vereança até a Presidência da República. Entre os mais conhecidos estão Carlos Lacerda, Adhemar de Barros, Juscelino Kubitschek, Leonel Brizola e o mais destacado de todos: Jânio Quadros.
Cada um com sua característica
Carlos Lacerda conquistava pela fala eloquente e, na maioria das vezes, agressiva. Derrotava seus adversários com voz tonitruante e argumentação poderosa. Adhemar de Barros, formado em medicina, sabia como ninguém tocar o coração dos eleitores. Era um sedutor de plateias.
Juscelino, também médico, era o sinônimo da elegância em todos os aspectos: na maneira de se trajar, na linguagem educada e fluente, e no trato com as pessoas, inclusive seus oponentes. Brizola teve o mérito de se eleger governador por dois estados diferentes, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro. Diziam que, se o deixassem falar por quinze minutos diante de uma plateia, convencia a todos.
Um mestre da oratória
Ninguém, entretanto, foi tão competente na arte de falar em público quanto Jânio Quadros. Não pronunciava uma palavra sequer sem planejar as consequências de seus discursos. João Mellão Neto foi meu aluno de oratória. Como ele havia sido Secretário de Administração de Jânio, perguntei se era difícil trabalhar com alguém de personalidade tão controversa.
Mellão me respondeu que o ex-presidente foi uma das pessoas mais inteligentes e lúcidas que conheceu. No momento de despachar, demonstrava domínio de cada uma de suas decisões. Na hora de pôr em prática, entretanto, para ser manchete nos principais veículos de imprensa, pendurava chuteira na porta, vestia camisa do Corinthians — enfim, fazia o que fosse necessário para ser notícia.
O Dia da Bandeira
Esta história ilustra como Jânio aproveitava cada oportunidade para atingir seus objetivos. Comemoramos no dia 19 de novembro o Dia da Bandeira, uma data que, para muitos, simboliza a pátria e o respeito à sua história. Dois dias após essa celebração, vale a pena revisitar um episódio marcante protagonizado por este admirável orador. Além de ser um dos grandes mestres da oratória, foi também um gênio nas estratégias políticas no Brasil.
Era 1953, e Jânio ocupava o cargo de prefeito de São Paulo. Após ser vereador e deputado estadual, ele vislumbrava voos mais altos — o governo do estado e, mais tarde, a Presidência da República. Ambicioso e astuto, sabia que precisaria conquistar o apoio de setores estratégicos para concretizar seus planos — em especial, as Forças Armadas, que viam com reservas suas aspirações.
Estratégia genial
Foi nesse cenário que ele arquitetou uma manobra brilhante. Na véspera do Dia da Bandeira, 18 de novembro, Jânio organizou uma cerimônia ao lado do Theatro Municipal de São Paulo, convocando os líderes das Forças Armadas e uma ampla plateia para ouvir um discurso especial: a “Alocução à Bandeira”.
Com sua habilidade incomparável de usar palavras para cativar e persuadir, Jânio emocionou os presentes. Seu discurso era uma ode ao símbolo maior da nacionalidade, mas também uma declaração implícita de alinhamento aos valores que os militares consideravam fundamentais.
Objetivo atingido
No dia seguinte, 19 de novembro, a força de sua retórica ecoou em todos os quartéis do país: a “Alocução à Bandeira” foi lida como ordem do dia, deixando claro que Jânio havia conquistado a simpatia de um público essencial para sua trajetória.
Esse momento foi decisivo. Em 1955, Jânio tornou-se governador de São Paulo e, em 1960, alcançou a Presidência da República. Embora seu mandato presidencial tenha durado apenas sete meses, seus feitos e sua personalidade marcaram a política brasileira de maneira indelével. Vale lembrar que, em 1985, ele venceu o poderoso Fernando Henrique Cardoso e voltou a ocupar o cargo de prefeito de São Paulo.
O discurso é uma obra-prima
Um trecho do discurso de Jânio evidencia sua maestria ao conectar o sentimento de patriotismo a valores universais:
“Estamos aqui presentes, Governo, Forças Armadas e uma vasta assembleia de povo, para saudar-te, pendão da Pátria!
Evocamos, na tua contemplação, a nossa História, sequência soberba de sacrifícios e de sonhos, de decepções e de fé rediviva, de lances heroicos e de trabalho profícuo…”
E, na conclusão, seu tom firme e dramático encerrou com impacto:
“Recebe, Bandeira, o nosso juramento: se não pudermos ter-te por manto, desejamos-te por sudário! Sê bendito, Pavilhão Brasileiro!”
Este episódio é mais que um exemplo de oratória magistral; é a prova do poder das palavras e da importância de usá-las no momento certo para transformar discursos em ações que moldam o destino de uma nação. Siga pelo Instagram: @polito
*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.
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