Pacificação que anula a vontade de uma das partes é rendição
Por que devemos ver a polarização como algo negativo? Divisão pode impulsionar alternância de poder e o exercício vivo da democracia
Uma das palavras mais ouvidas na política brasileira nos últimos anos é “polarização”. Muitos reclamam dessa divisão de opiniões, e de fato ela se manifestou com força nas urnas nas eleições presidenciais de 2022. Embora tenha havido um vencedor, a diferença foi tão estreita que quase foi preciso usar o fotochart.
Quem busca explicações para esse comportamento da população acaba concentrando o motivo em Jair Bolsonaro. Para muitos, antes dele existia o que se chamava de “dança das tesouras”: políticos de matizes ideológicos próximos brigavam publicamente e “se abraçavam” nos bastidores. Nem todos os eleitores percebiam esse jogo.
O jogo do faz de conta
O PT (Partido dos Trabalhadores), sob a liderança de Lula, e o PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira), sob influência de Fernando Henrique Cardoso, foram bons exemplos desse teatro político. Havia quem votasse no PSDB imaginando combater a esquerda e quem abraçasse as teses petistas supondo estar combatendo a direita.
Então chegou Bolsonaro. Um deputado considerado do baixo-clero, com pouca expressão nas cúpulas do Congresso, com linguagem direta, por vezes vulgar, e foco agressivo no combate ao “comunismo”, foi se impondo e conquistando eleitores por todo o país. No começo, foi ridicularizado por adversários e parte da imprensa.
A maioria não acreditava em sucesso de Bolsonaro
A princípio, não se esperava que vencesse: tinha partido pequeno, pouca projeção e escassos recursos. Comunicava-se muitas vezes com eleitores por meio de celular, em posições simples, cenários improvisados, como uma bandeira do Brasil presa com fita adesiva.
Essas improvisações passaram imagem de autenticidade. Com o tempo, o país o conheceu, e muitos o admiraram. Atraía multidões; transformou-se num dos fenômenos mais singulares da política brasileira recente.
A consciência da direita
A partir dele, a população compreendeu o que seja um representante da linha conservadora. Pessoas antes cautelosas em expor afinidades de direita passaram a afirmar seu posicionamento com peito aberto. O surgimento desse eleitorado surpreendeu a esquerda, que sem cacoete para as redes perdeu o protagonismo das ruas.
Bolsonaro venceu e, ao assumir, iniciou promessas de campanha. A esquerda, pouco habituada a esse tipo de embate, viu-se acuada. Muitas vozes passaram a criticar os riscos da polarização. Falar em “pacificação” tornou-se rotina.
Querem a rendição, não a pacificação
Quando perguntados que tipo de arranjos deveriam ser feitos para que não houvesse tanto antagonismo, as respostas eram frequentemente vagas. Os argumentos se dirigiam quase sempre à rendição dos adversários. Ou seja: pacificação, nesses discursos, equivalia a que os opositores sucumbissem aos seus desejos.
Em 2022, Lula venceu Bolsonaro por 50,9 % a 49,1 %, margem ínfima que indignou bolsonaristas. O país mostrava-se matematicamente dividido. Eleitores buscaram explicações, sem sucesso. Mesmo derrotado, Bolsonaro seguiu atraindo multidões. Pesquisas indicavam que, se as eleições fossem antecipadas, ele poderia vencer com folga.
As máscaras caíram
Ficou claro quem era quem. Fernando Henrique Cardoso declarou apoio a Lula. Ainda mais surpreendente: Geraldo Alckmin, ex-PSDB, tornou-se vice de Lula. O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) declarou Bolsonaro inelegível por oito anos (2023–2030), por 5 votos a 2, em 30 de junho de 2023, em decisão que entendeu haver “abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação” em reunião com embaixadores.
Mais recentemente, Bolsonaro foi condenado a 27 anos e três meses de prisão, por terem imputado a ele a participação em esquema de ato golpista. Atualmente cumpre prisão domiciliar com tornozeleira eletrônica.
Os argumentos de Fux animaram os bolsonaristas
No julgamento dessa ação, o ministro Luiz Fux abriu divergência e votou para absolver Bolsonaro de todas as acusações ligadas aos ataques de 8 de Janeiro, argumentando falta de nexo jurídico entre seu discurso e os atos delituosos. Esse voto reforçou o argumento bolsonarista de ausência de provas consistentes.
Convencer os apoiadores de Bolsonaro a abraçar a ideia de pacificação tornou-se tarefa hercúlea. Muitos viram nisso pedido de rendição. Para eles, só a esquerda deveria reconhecer seus erros e “baixar as armas”.
Enquanto os dois polos mantiverem estandartes erguidos, o Brasil continuará dividido, reforçando a polarização. Mas esse fenômeno não é exclusivo: basta olhar para os EUA. E por que devemos ver a polarização como algo negativo? Talvez não devêssemos. Essa divisão pode impulsionar alternância de poder e o exercício vivo da democracia. Essa, sim, a verdadeira democracia. Siga pelo Instagram: @polito.
*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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