Será que Bolsonaro conquista ou perde voto com os ataques que faz ao politicamente correto?

Respeito com o outro merece ser levado em conta, mas há hoje em dia um patrulhamento que ultrapassa certos limites do bom senso e limita a liberdade de expressão

  • Por Reinaldo Polito
  • 25/11/2021 09h00
Antonio Molina/Fotoarena/Estadão Conteúdo - 24/11/2021 Jair Bolsonaro gargalha em frente a um fundo, aparentemente uma parede, com a bandeira do Brasil O presidente Jair Bolsonaro é um notório crítico do politicamente correto

Como você tem se comportado com essa história do politicamente correto? Já usou alguma palavra ou expressão que consideraram agressivas e teve de se desculpar e mudar a forma de se comunicar? Tem se sentido inseguro por não saber exatamente como falar e fica com receio de se manifestar de maneira inconveniente? Bem, se a resposta for sim, bem-vindo ao clube. Não é fácil. Algumas pessoas ficam perplexas quando são censuradas: Ei, você não pode dizer “denegrir”. Como você ainda fala “criado mudo”? Não sabe que “mulato” é ofensivo? Que grosseria é essa de usar a expressão “mentirinha branca” ou “lista negra”? Pronto! A polêmica está armada.

Uma das pessoas que mais têm combatido esse uso da linguagem vigiada é o presidente Bolsonaro. Ele já afirmou: “Não sou politicamente correto. Eu sou um brasileiro correto como a maioria de vocês, ou quase todos vocês”. É um paradoxo. Bolsonaro conquista eleitores por afirmar que não é politicamente correto, e, ao mesmo tempo, perde boa parte do eleitorado por esse mesmo motivo. Muitos dizem que votaram nele pelo fato de ele não se curvar ao mi-mi-mi, enquanto outros afirmam que esse comportamento desrespeitoso os impede de serem seus eleitores.

Nem tanto ao céu, nem tanto à terra. Sabemos que, ao nos comunicar, deixamos transparecer os nossos valores, nossa história de vida, a posição social que ocupamos. Em outras palavras, a forma como nos expressamos diz muito sobre as narrativas que absorvemos e que fundamentam o que somos e como somos. Se conseguirmos entender a dinâmica que acontece no jogo social, teremos a chance de nos relacionarmos com mais eficiência e autenticidade. A comunicação será, por isso, instrumento poderoso na busca da igualdade, da liberdade e da inclusão em nosso meio social. E sempre trará à tona os conflitos que se seguem nessa busca. Por isso, quando o presidente faz a sua declaração sobre o politicamente correto, temos pela frente questões importantes que precisam ser consideradas.

Há hoje em dia um patrulhamento que chega a ultrapassar certos limites do bom senso. Ter de escolher palavras e substituir vocábulos toda vez que precisar falar ou escrever é uma pressão que acaba por inibir as ações e limitar a liberdade de expressão. Tenho discutido esse tema com frequência em minhas aulas. Percebo a preocupação e até a indignação dos alunos frente ao radicalismo na defesa do politicamente correto. Praticamente todos concordam que ofensas devam ser coibidas, injustiças, corrigidas e respeito ao próximo, estimulado, mas muitos se revoltam com o exagero. Dizem ser inadmissível, por exemplo, não poder se referir a Deus como “Ele”, pelo fato de alguns dos defensores do politicamente correto advogarem a ideia de que o Ser Supremo não é um homem. Por que, então, se referir a Ele no masculino?!

Ouvi uma história que me chocou. Um humorista fez autogozação com o fato de ser obeso. Uma pessoa que assistia à apresentação dele subiu ao palco e o agrediu fisicamente por ter se sentido ofendida. Não poder brincar com as próprias características físicas ultrapassa todas as fronteiras da sensatez. Um fato ainda mais marcante foi o de um comentarista esportivo na Copa do Mundo criticar o jogador Neymar porque havia humilhado um adversário com seus dribles. Pois é, era só o que faltava, levar para o campo de futebol o politicamente correto. O que seria de Garrincha, “a alegria do povo”, se fizesse hoje o que fazia com seus dribles, transformando cada um de seus marcadores em “João”?

Certamente, levar esse assunto a ferro e fogo pode tirar a liberdade de as pessoas se expressarem, e, talvez, até criar obstáculos para a boa convivência. Exageros à parte, o respeito para com o outro, entretanto, precisa e merece ser levado em conta. Tomar alguns cuidados com o que falamos é prudência e sabedoria que todos devemos cultivar. Incluí em minhas aulas de oratória recomendações de como evitar mensagens que possam ser ou soar agressivas. Chamo a atenção para o fato de que devemos evitar romper essa delicada linha amarela. Além de ser a fronteira rumo à agressão ao próximo, pode também representar o passo em falso que prejudica a própria imagem de quem se comunica.

Rei

Temos de observar sempre o antigo lema atribuído a Herbert Spencer “A minha liberdade termina quando começa a liberdade do outro”. Se não tivermos consciência dos limites entre o exagero e a responsabilidade no uso das palavras, corremos o risco de nos reprimirmos de um lado, e de provocar dissabores de outro. E o comportamento de Bolsonaro? Se essa for uma medida para merecer ou não o voto do eleitor, cada um deve decidir o que julgar mais conveniente. Ele é bastante experiente e sabe das consequências de suas palavras. Imagino até que não faça nada por acaso. Siga pelo Instagram: @polito.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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