Trump e Bolsonaro provam que a vida pode imitar a arte

Facada que quase matou ex-presidente do Brasil e tiro de fuzil no candidato republicano lembram o atentado contra o prefeito Odorico Paraguaçu na novela ‘O Bem-Amado’

  • Por Reinaldo Polito
  • 18/07/2024 09h00
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ALLISON JANTAR/EFE/EPA O candidato presidencial republicano e ex-presidente Donald J. Trump manda um beijo no terceiro dia da Convenção Nacional Republicana Com um curativo na orelha atingida em atentado, Donald Trump participa da Convenção Nacional Republicana

Depois do atentado sofrido por Trump nos Estados Unidos, a internet fervilhou de notícias, memes e brincadeiras. Em um deles, embora com configurações distintas, a arte imitou a vida. Em uma cena da novela “O Bem-Amado”, levada ao ar em 1973, Paulo Gracindo vive o papel do prefeito inescrupuloso Odorico Paraguaçu. Em determinado momento, uma das “Irmãs Cajazeiras”, Dorotéia, vivida pela atriz Ida Gomes, chama a atenção de Odorico sobre a sua baixa popularidade.

O prefeito astucioso pensa logo em alguma malandragem para reverter aquela dramática situação. Com ar maroto, diz à Dorotéia que tudo poderia ser resolvido se ele sofresse um atentado. Dessa forma, se transformaria em vítima e conquistaria a simpatia da população. E assim, marcam o atentado com a cobertura da imprensa. Nesse caso, com pompa e circunstância, a arte imitou a vida.

Ficção e realidade

É evidente que os episódios ocorridos com Bolsonaro e Trump não foram orquestrados por eles, mas as consequências são praticamente as mesmas daquelas imaginadas por Dias Gomes no fato ficcional. Nos atentados contra a vida de Jair Bolsonaro, em Juiz de Fora (MG), em 2018, e contra Donald Trump, no último sábado, dia 13, na Pensilvânia, a vida imitou a arte. Nenhum dos dois candidatos à presidência, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, estava em condição desesperadora como a de Odorico. O atentado contra eles, entretanto, foi decisivo para o brasileiro e pode ter influência na eleição norte-americana.

Embora Bolsonaro se saísse bem nas entrevistas quando as perguntas giravam em torno das questões de costumes, quase todos os jornalistas, até ingenuamente, tentavam pegá-lo por esse viés. Deixavam de abordar temas relacionados à economia, sobre os quais o candidato demonstrava despreparo. Esse era um de seus pontos mais vulneráveis. Como precisou ficar hospitalizado, não teve como ir aos debates e, consequentemente, se livrou de ser encurralado com esse tipo de questionamento.

Tempo de rádio e televisão

Outro aspecto a ser considerado é que ele tinha pouquíssimo tempo de rádio e televisão. Essa era uma desvantagem terrível para a sua campanha. Devido ao atentado, os órgãos de imprensa tiveram de falar no seu nome praticamente o tempo todo. Além disso, tanto os jornalistas quanto os adversários precisaram puxar o freio de mão e evitar críticas. Afinal, não ficaria bem apontar pontos negativos de alguém que estava hospitalizado. A facada foi, sim, o milagre que Bolsonaro necessitava para vencer aquele pleito.

Diferente, mas com semelhanças

Com Trump, o enredo é diferente, mas produz resultado semelhante. Mesmo tendo sido nocauteado pelo ex-presidente no debate realizado em Atlanta, Biden conseguiu se manter na disputa. A luta seria renhida nas próximas semanas, com chances de vitória para ambos os candidatos. Com o atentado sofrido por Trump, a história deve sofrer modificações.

As pesquisas

De todos os fatos possíveis, esse do dia 13 foi o mais lastimável para Biden. Além das críticas que vêm recebendo dentro do próprio partido por causa da sua fragilidade física e, aparentemente, até mental, agora tem de competir com um adversário que quase foi assassinado. É como se a vitória caísse no colo de Trump. Os números apareceram rapidamente. Na primeira pesquisa realizada pela Reuters após o atentado, Trump aparece com 43% contra 41% de Biden. Outra vantagem significativa foi mostrada pela CNN sobre o número de delegados. O ex-presidente teria 330 a seu favor frente a 208 do democrata. 

Oscar Wilde e Aristóteles

Não vai ser fácil para o presidente reverter essa tendência. Sem contar que muitos membros do seu partido insistem para que ele seja substituído por alguém com mais musculatura para enfrentar o republicano. Nada pode ser tomado como definitivo. Pudemos constatar que a vida está sempre surpreendendo. A cada dia uma novidade. O episódio do sábado na Pensilvânia e o vivido por Bolsonaro em Juiz de Fora são exemplos perfeitos para as afirmações de Oscar Wilde na obra “A decadência da mentira”: “A Vida imita a Arte muito mais do que a Arte a vida”. Não significa, todavia, que Aristóteles não tivesse razão quando disse que “a arte imita a vida” — frase adaptada da expressão “A arte imita a natureza”. 

A história que deu origem à novela “O Bem-Amado” foi escrita por Dias Gomes em 1962. Sua genialidade profética pôde antever os acontecimentos atuais com seis décadas de antecedência. Quem sabe se escarafuncharmos nos livros, nas peças teatrais e nas músicas, talvez possamos encontrar revelações na arte para os fatos que nos cercam e para os que deverão ocorrer nos próximos tempos. Enfim, vimos que a Arte imita a Vida, mas, sem dúvida, a Vida também imita a Arte. Siga pelo Instagram: @polito.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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