Um bom discurso político precisa começar e terminar bem

Escolher um bom vocativo pode fazer com que a plateia torça pelo sucesso do orador já nas primeiras palavras

  • Por Reinaldo Polito
  • 02/06/2022 09h00
Reprodução/Freepik Pessoa fala em reunião privada Vocativo é o cumprimento inicial, uma forma respeitosa de o orador se dirigir aos ouvintes, e também um recurso para chamar a atenção das pessoas para a presença de quem fará o discurso

Certa vez perguntaram a Winston Churchill como ele preparava os seus discursos. Sua resposta foi surpreendente: “Preparo o início e a conclusão”. O interlocutor insistiu: “E no meio?”. A explicação foi ainda mais inusitada: “No meio eu vou falando”. Nada é tão simples assim, já que para falar bem no meio do discurso o orador precisa de estudo, experiência e muita prática. Feita essa ressalva, podemos dizer que o primeiro-ministro britânico tinha razão, pois é no início e na conclusão que, em muitas situações, conseguimos garantir o sucesso da apresentação. Vamos analisar como proceder nesses dois momentos da fala.

Lembro-me de um episódio que me marcou. Nos anos 1970 havia dois partidos políticos no Brasil: ARENA, ligado ao governo militar, e MDB, que fazia oposição. Um não podia ver o outro na frente. Foi no meio desse embate que assisti a uma palestra inesquecível proferida pelo Padre Vasconcelos. Ele era situacionista e precisou falar para uma plateia de oposicionistas. Pensei que ele seria trucidado naquele evento. Pelo jeito como o padre cumprimentou os ouvintes, entretanto, percebi logo que sobreviveria ali até com louvor. Assim que assomou à tribuna disse: “Minha gente, minha boa gente, muito boa noite”. Ora, quem poderia ficar contra uma pessoa tão gentil e amável assim? Seu vocativo foi perfeito.

O vocativo é o cumprimento inicial. Uma forma respeitosa de o orador se dirigir aos ouvintes, e também um recurso para chamar a atenção das pessoas para a presença de quem fará o discurso. Deve ser feito de acordo com a formalidade da circunstância. Nas situações mais formais, um simples “Senhoras e senhores” pode ser suficiente. Nos casos mais descontraídos, bastará um “Olá, pessoal”, ou “Bom dia a todos”. Quando houver uma mesa diretora ou de honra dirigindo o evento, o orador deverá cumprimentar antes as pessoas sentadas à mesa para depois se dirigir à plateia. O protocolo orienta que os cumprimentos devem iniciar pela pessoa mais importante até chegar às de menor importância.

As mulheres têm a precedência. Devem ser cumprimentadas antes dos homens. A menos que estejam sentadas à mesa, pois, nesse caso a precedência obedecerá à ordem hierárquica. A não ser em casos excepcionais, não é recomendável cumprimentar todos os componentes da mesa quando forem muitos. Essa iniciativa pode até tirar o interesse pelo conteúdo da fala. Algumas saídas ajudam a dar mais fluência ao discurso. Por exemplo: “Autoridades que compõem a nossa mesa de honra”. Se alguém muito importante estiver presente e não for possível deixar de citá-lo, um recurso muito bom é o de fazer referência a ele e, em seguida, estender os cumprimentos aos outros, sem mencionar o nome de cada um.

Em eventos oficiais, o vocativo deve seguir as disposições do decreto-lei 70.274, de 09 de março de 1972. Vale a pena dar uma olhada nesse decreto para ter uma ideia da hierarquia a ser obedecida. As universidades seguem essa mesma orientação. Se o vocativo for bem-feito, poderá fazer com que a plateia torça pelo sucesso do orador já nas primeiras palavras. É importante que ele cumprimente o público com simpatia, amabilidade e gentileza, como se estivesse cumprimentando um amigo querido. Na política, o vocativo ganha relevância especial. Pode se transformar em espécie de marca registrada do político. Muitos líderes populistas encontraram um vocativo para chamar de seu. Iniciavam, e alguns até iniciam, seus comícios sempre com as mesmas palavras.

Por exemplo, Getúlio Vargas só tinha o trabalho de mudar o nome da cidade. Em Bauru, no Estado de São Paulo, cumprimentava assim: “Povo de Bauru, trabalhadores do Brasil”. Em Natal, no Rio Grande do Norte, substituía o nome da localidade: “Povo de Natal, trabalhadores do Brasil”. E dessa forma, conquistava a população já no início da apresentação. Havia pessoas que iam aos comícios só para ouvir o nome da cidade ser pronunciado pelo político gaúcho. Podemos citar vários outros exemplos, como o ex-presidente Fernando Collor de Mello: “Minha gente”. Com Sarney não foi diferente. Talvez tenha sido o primeiro político a fazer um vocativo inclusivo: “Brasileiros e brasileiras”. Só a ordem de precedência precisaria ser outra, começando com as “brasileiras”. Lula também desenvolveu seu cumprimento de estimação: “Companheiros”.

Quando treino um político para discursar diante do eleitorado, essa é uma das primeiras recomendações: encontre um vocativo para iniciar seus discursos sempre da mesma forma. O ideal é queimar um pouco as pestanas e descobrir um que seja inédito. Geralmente, dá para usar uma frase marcante do hino da cidade ou do estado. Além do vocativo, outro momento que pode ser fundamental para o sucesso da comunicação, especialmente do político, é a conclusão. Esse é outro conselho que dou aos alunos candidatos: descubram uma conclusão impactante. Temos exemplos bastante conhecidos. Um deles é o do presidente Bolsonaro: “Brasil acima de tudo. Deus acima de todos”. Alguns vão se lembrar também das perorações de Guilherme Afif Domingos, quando concorreu à presidência do país: “Juntos chegaremos lá”. Essas introduções e conclusões funcionam como se fossem um refrão musical. Observe como, quase sempre, as músicas que fazem muito sucesso possuem um refrão que rapidamente cai na boca do povo.

Observe que em política os detalhes, aparentemente, mais insignificantes podem ser a diferença entre o fracasso e o sucesso do candidato. Vamos presenciar uma verdadeira guerra entre os postulantes aos mais diversos cargos eletivos. E, se observarmos com atenção, muitos deles dedicarão cuidado especial com a introdução e a conclusão. E você, como tem iniciado e concluído seus discursos? Siga pelo Instagram: @polito

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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