Usar bem a palavra pode ser útil para melhorar o meio em que vivemos

Aqueles que reclamam dos parlamentares, e que tem uma visão positiva de mundo, sem cegueira ideológica, poderiam sair do sofá e fazer valer também a sua voz

  • Por Reinaldo Polito
  • 17/06/2021 09h00
Dida Sampaio/Estadão Conteúdo Congresso Nacional em foto tirada de cima com várias pessoas Vista do plenário da Câmara dos Deputados, no Congresso Nacional

Você já deve ter se perguntado: por que alguns políticos que encantam com a sua extraordinária competência oratória não usam suas habilidades para o bem? Do jeito que o mercado precisa de gente competente, remunerando a peso de ouro aqueles que sabem tocar o barco nas tempestades, alguns desses rouxinóis de tribuna ficariam ricos se trabalhassem honestamente. Ainda que não enriqueçam, eles e a família conseguiriam levar uma boa vida, sem a preocupação de receber a qualquer momento em sua porta o “japonês da Federal” (hoje já nem sei quem é o algoz dos políticos). Pode parecer pouco para alguns, mas essa tranquilidade não deveria ter preço para pessoas decentes. Alguns são eloquentes naturalmente. Outros adquirem essa competência com o estudo e a prática. Mergulham nos infindáveis conceitos da retórica e suprem com a técnica a falta da habilidade espontânea. E ficam muito bons. Às vezes até melhores que os bem-dotados pela natureza.

Rui Barbosa analisou com propriedade a diferença entre eloquência e retórica: “Eloquência é o privilégio divino da palavra na expressão mais fina, mais natural, mais bela. […] É a espontaneidade, a sinceridade, a liberdade em ação. Daí vai uma diferença incomensurável à retórica, o esforço da arte por suprir a eloquência nos que não a tem, a sua singeleza, a sua abundância, a sua luminosidade, a sua energia triunfal”. A partir dessa reflexão surge um questionamento curioso: por que então incentivar o aprendizado da oratória se ela poderá servir para o mal? Não há como discutir esta verdade: tanto os que foram aquinhoados com essa competência natural, quanto os que necessitam se empenhar no seu aprendizado, poderão usar a palavra não só para o bem, como também, como estamos vendo, para o mal.

Para jogar luz nessa questão, podemos recorrer à ajuda de alguém que se dedicou muito a esse estudo, e que carrega nas suas mensagens uma credibilidade que não se pode contestar, Santo Agostinho. Na sua obra “A doutrina cristã” ele diz: “É fato que, pela arte da retórica, é possível persuadir o que é verdadeiro como o que é falso. Quem ousará, pois, afirmar que a verdade deve enfrentar a mentira com defensores desarmados? Seria assim? Então, esses oradores, que se esforçam para persuadir o erro, saberiam desde o proêmio conquistar o auditório e torná-lo benévolo e dócil, ao passo que os defensores da verdade não o conseguiriam?” Embora sua argumentação seja extensa, na verdade, ele apenas dá ênfase ao que disse no princípio, pois somente repete sua tese usando palavras diferentes. Podemos perceber a presença desse recurso quando o célebre pensador faz a seguinte afirmação: “Aqueles, estimulando e convencendo por suas palavras os ouvintes ao erro, os aterrorizariam, os contristariam, os divertiriam, exortando-os com ardor, e estes estariam adormecidos, insensíveis e frios ao serviço da verdade? Quem seria tão insensato para assim pensar?”.

Estudar oratória e aprimorar as habilidades comunicacionais deve ser um objetivo de todos nós. Em todas as nossas atividades, sejam elas profissionais ou pessoais, a competência para usar bem a palavra pode ser útil para melhorar o meio em que vivemos. Como diz o pensador russo Mikhail Bakhtin: “A palavra constitui o meio no qual se produzem lentas acumulações quantitativas de mudanças […] É capaz de registrar as fases transitórias mais íntimas, mais efêmeras das mudanças sociais”. A palavra nos constitui, nos identifica e nos conecta de forma cabal a outros seres humanos. Como o mesmo autor ainda afirma: “Compreender a enunciação de outrem significa orientar-se em relação a ela”. Na política, por exemplo. Quantos reclamam dos políticos. Mostram-se desesperançados com os rumos do país. Vociferam contra a roubalheira que não tem fim. Que tal essa turma bem-intencionada, com visão positiva de mundo, sem cegueira ideológica, como fizeram alguns nas últimas eleições, sair do sofá e analisar os fatos, as circunstâncias, considerar de forma crítica as vozes que se opõem e fazer valer também a sua voz? Assim, não seria interessante tentar melhorar o ambiente carcomido pelos políticos profissionais, que há anos só pensam em suas próprias conveniências? Pense bem. Poderia escolher um bom partido político, e se filiar a ele. E, quem sabe, ajudar alguém que admire a concorrer às eleições. Nada impede que seja você mesmo. Com a boa palavra e com sensibilidade social será possível construir um país muito melhor para as próximas gerações. Siga no instagram @polito.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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