Você gostou do discurso de Jair Bolsonaro na ONU?

Visita do presidente à Nova York foi dentro das previsões, não só do que ele falaria, mas também do que diriam sobre o seu desempenho

  • Por Reinaldo Polito
  • 23/09/2021 09h00
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EFE/TIMOTHY A. CLARY / POOL Jair Bolsonaro na Assembleia-Geral da ONU Bolsonaro foi a Nova York para discursar na abertura da Assembleia-Geral das Nações Unidas

Você gostou do discurso de Jair Bolsonaro na ONU? Dirão os bolsonaristas: ‘Ah, eu adorei! Falou tudo o que se esperava de um grande estadista. Fez com que os chefes de Estado que estavam presentes engolissem as críticas infundadas que fazem ao Brasil. Só como exemplo, disse que preservamos dois terços da vegetação nativa e 84% da Floresta Amazônica, criamos um 1,8 milhão de empregos e vamos crescer mais de 5% este ano. E reafirmou que liberdade não tem preço. Sem contar que, aqui no nosso país, a esquerdalha está se mordendo de raiva ao observar o excelente desempenho do presidente’. Dirão os oposicionistas: ‘Mais uma vez esse genocida homofóbico nos fez passar vergonha. Como um chefe do Executivo pode ir a um evento como esse e mentir descaradamente sobre o que está acontecendo com a vacinação e o desmatamento no Brasil?! Virou motivo de chacota na imprensa internacional. Fora Bolsonaro. Impeachment já’.

Li com atenção as publicações anteriores ao dia 21, que especularam sobre o que Bolsonaro iria dizer na Assembleia-Geral da ONU. Nenhuma surpresa. Os opositores do governo mais uma vez cravaram que o presidente seria um fiasco. Disseram alguns que o chefe do Executivo não goza de confiança. Por exemplo, a BBC News Brasil reproduziu as palavras do editor-chefe da Americas Quarterly, Brian Winter: “O problema é que mesmo que ele faça afirmações contundentes em favor do meio ambiente, muita gente não vai acreditar porque ele tem um problema de credibilidade”. Outro órgão de imprensa que se antecipou para criticar foi o El País. Censuraram as atitudes do presidente quanto à vacinação. Alegaram que, mesmo tendo vacinado 66% da população adulta, esse resultado se deveu não a ele, mas sim ao Sistema Único de Saúde (SUS) e ao governador de São Paulo, João Doria.

Por outro lado, os bolsonaristas previram um discurso positivo, que mostrasse ao mundo as conquistas do agronegócio e o eficiente combate à corrupção. Também imaginavam que, como nas duas edições anteriores, o chefe do Executivo abriria os braços para os investimentos estrangeiros, e faria robusta defesa das ações de combate ao desmatamento e de preservação do meio ambiente. Pois bem, Bolsonaro fez seu discurso de 12 minutos. Tirando a defesa do tratamento precoce da Covid-19 e do combate empreendido pelo seu governo ao socialismo, nada de muito novo pôde ser observado. Foi um discurso discreto, equilibrado, sem enfrentamentos, como os observados em 2019 contra o presidente francês Emmanuel Macron.

Por isso, bastaria aos críticos e aos apoiadores retirarem da gaveta a análise que já estava pronta mesmo antes de o discurso ser proferido. E publicar. Foi exatamente o que aconteceu. Quem criticou antes, continuou criticando depois; assim como quem o apoiava na véspera, seguiu com a mesma opinião após a participação do presidente. Houve um ponto ou outro que ajudou a corroborar o que já estava pré-julgado. Por exemplo, o fato de Bolsonaro na sua chegada ter entrado pela porta dos fundos do hotel. Os oposicionistas afirmaram que precisou tomar essa atitude por causa da forte manifestação contrária à sua presença. Os apoiadores do governo contestaram, explicando que esse procedimento foi determinado pelos norte-americanos, já que a segurança dos chefes de Estado está sob a responsabilidade deles. Além disso, disseram que o presidente foi até à frente do hotel e constatou que apenas sete pessoas se manifestavam e que cinco jornalistas faziam a cobertura.

Os críticos também não perderam oportunidade de dizer que, como Bolsonaro não aceitou ser vacinado, teve de comer pizza na calçada junto com seus ministros – uma vergonha. Os apoiadores lembraram que o presidente age com essa simplicidade em todos os momentos, como nos finais de semana em Brasília quando sai para comer sanduiches na primeira padaria que encontrar. Tirando esses detalhes e mais um ou outro ponto específico à visita de Bolsonaro a Nova York, tudo ocorreu mais ou menos dentro das previsões. Não só do que o presidente falaria, mas também sobre o que falariam a respeito de seu desempenho.

Em circunstâncias como essa, praticamente não há espaço para considerações sensatas. As opiniões não se alteram. Observe os analistas políticos. A predisposição de quem é contra ou a favor será ratificada. Essa constatação serve de alerta para todos nós. Se você tem uma opinião firmada contra o governo ou a favor dele, não tenha a ilusão de que conseguirá convencer alguém a mudar a maneira de pensar e seguir sua posição. Esse “milagre” não vai ocorrer. Você vai discutir à exaustão, gastar seu estoque de argumentos, correr o risco de conquistar um desafeto e no fim cada um continuará exatamente como entrou na discussão. Essa história de discutir política com amigos, colegas de trabalho e familiares é perda de tempo. A não ser que seja pelo prazer dialético. Nesse caso, já vai entrar na contenda sabendo que no final possivelmente nada será alterado. Tudo se resumirá apenas a um bom exercício para organizar a forma de pensar e estruturar sua linha de argumentação. A melhor frase que ouvi a esse respeito, independentemente de seu gosto duvidoso, foi: discutir política no momento atual é o mesmo que brigar por causa de ciúme de mulher na zona. Siga no Instagram @polito.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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