Entre o ‘match’ e a decepção: Thomas Schultz explica por que relações estão cada vez mais frágeis
Escritor conhecido como ‘guru de relacionamento’ diz que o problema está em se acostumar até com o que dói
Conforme relatório divulgado pela Organização das Nações Unidas em 2025, a solidão se tornou uma ‘doença invisível’ que está afetando milhões de pessoas ao redor do globo. A pesquisa aponta que uma em cada seis pessoas no mundo sofre com a solidão, tendo essa questão impactos significativos na saúde e no bem-estar, podendo levar, inclusive, à morte. Os mais afetados pela solidão, segundo a pesquisa, são pessoas que vivem em países de baixa e média renda, como o Brasil. Jovens e adultos são os que mais lutam contra essa questão e o psicólogo clínico Thomas Schultz recebe diversos casos de pessoas com dificuldades para se relacionar em seu consultório. Incentivado por um paciente, o também neurocientista resolveu lançar o livro “Ninguém Nasce Sabendo Relacionar”, da Buzz Editora.
Na obra, ele aborda questões do cotidiano e traz relatos de pacientes, majoritariamente mulheres, que encaram o desafio da dependência emocional e a jornada de autoconhecimento em direção à saída de relações tóxicas. Com anos de carreira, as histórias contemplam altos e baixos, dando tom leve e franco – quando preciso – ao texto. O problema de temer a solidão, segundo o psicólogo, é se sujeitar a relações precárias, o que vem acontecendo cada vez mais. Um estudo publicado na PubMed, plataforma de pesquisas científicas relacionadas à medicina, mostrou que 33,3% das mulheres já sofreram com relações tóxicas, principalmente na pandemia. Entre as entrevistadas, 36,1% tiveram sintomas de depressão, o que configura os prejuízos à saúde citados pela ONU.
Na visão de Thomas, o motivo de estarmos vivendo relações tão ruins é que a forma de nos relacionar mudou muito nos últimos 20 anos – época que coincide com o início da Era da internet. Hoje, ao mesmo tempo que temos a possibilidade de conhecer pessoas com maior praticidade através de aplicativos, acabamos perdendo no quesito qualidade. “Antigamente, um amigo apresentava alguém e aí a gente saía para um encontro às cegas. Hoje, temos muitas opções, o que não significa que tenhamos qualidade nas escolhas apontadas. O nosso papel é encontrar a pessoa no meio de várias, a que tem mais compatibilidade, afinidade e características que procuramos”.
Para o especialista, os aplicativos são complicadores de relacionamento, pois geram o “paradoxo da escolha”, uma espécie de alta demanda que confunde a pessoa, deixando-a mais suscetível a questionamentos, inseguranças e outros problemas. “Paradoxo da escolha é quando você tem muitas opções na sua frente, você tem medo de investir em uma delas, porque você tem medo de se arrepender, e aí você fica sempre com pensamento: ‘E se a pessoa que eu não escolhi fosse melhor do que a que eu escolhi?’. A consequência é que as pessoas não investem mais em uma única pessoa para ver no que dá, elas molham o pé, e aí ela já vem a outra do lado, o contatinho A, o contatinho B, o contatinho C, e vão pulando de galho em galho, sem investir em uma pessoa apenas”, detalha Thomas.
O ‘guru de relacionamentos’ das redes ensina como lidar
Homem e cisgênero, Schultz sempre foi fascinado pelo universo feminino. Desde tenra idade, se relacionou bem com o sexo oposto. Essa afinidade o moldou e o tornou a pessoa exata para ouvir e orientar mulheres que viraram clientes e agora leitoras. “Os garotos gostavam de falar de futebol e eu me interessava muito mais pela conversa das meninas e sempre me dei melhor com mulheres. Na vida adulta, isso foi se transferindo ao longo da minha trajetória até virar um nicho profissional”, comenta. Com toda essa bagagem, ele percebeu que combater a dependência emocional demandaria mais que apenas consultas e passou a investir no conteúdo digital.
Essa transição de profissional da saúde para produtor de conteúdo, inclusive, não foi fácil. Ele relata que foi desafiador, pois na rede social o ideal é que o vídeo seja curto e impactante, o que às vezes é difícil, principalmente quando se aborda assuntos complexos. “Tem diversas formas da gente abordar um tema e o que facilita muito, na realidade, é o fato de eu ser um psicólogo clínico, então eu consegui trazer exemplos de casos da vida real de pessoas, para que as outras pessoas pudessem se identificar com aqueles temas”, diz.
Na publicação recém lançada, Thomas dá dicas de como identificar sinais de um relacionamento tóxico ou abusivo. “Geralmente é quando o desrespeito se torna tão grande que ele passa a ser uma agressão. E pode ser agressão física, mas pode ser agressão verbal, xingamentos, depreciação da outra pessoa. Isso tudo são indícios que indicam que o desrespeito passou de todos os limites. O segredo está em não se acostumar com a zona de conforto: algumas pessoas ficam em relacionamentos porque se sentem limitadas àquilo e se acostumam até com a dor. Sim, pessoas se sentem validadas ao sentir dor e normalizam aquilo, alimentando uma dependência emocional. Isso é horrível”, aponta.
Para lidar com a dependência emocional, o primeiro passo é entender o que é um relacionamento saudável, o que nem sempre é fácil. “A gente vem de uma herança cultural e principalmente religiosa de que dois se tornam um só. Então você está uma metade à procura da sua outra metade. Não existe uma pessoa completa por si só. Essa é a crença da dependência emocional que está completamente relacionada ao mito do amor”. Apesar de ajudar muitas mulheres, o autor ressalta que não existe fórmula para o amor. “Não existe manual para amar. A gente tem que entender que o que funciona para um casal pode não funcionar para outros. Tem casais que acreditam no homem como provedor, tem casais que não acreditam nisso. Então, é por isso que não tem uma fórmula mágica, porque não existe uma dinâmica, um arranjo que funcione para todos”.
Por fim, o autor e psicólogo deixa uma reflexão profunda que defende que não devemos aceitar menos do que merecemos em nenhuma relação. “Você tem que estar ciente das suas qualidades, porque uma pessoa que não tem consciência das suas qualidades, ela aceita qualquer coisa, porque ela acredita que ela não merece nada mais do que aquilo. Quando ela sabe que ela tem muito a oferecer, ela não aceita menos e esse é um dos caminhos para o amor mais leve, recíproco e verdadeiro”, finaliza.
*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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