Além da Lei de Cotas: a responsabilidade das empresas em garantir acessibilidade eficiente

No Brasil, a legislação trabalhista e normas relacionadas ao tema vêm sendo aprimoradas ao longo dos anos, com foco na promoção de ambientes de trabalho adequados para pessoas com deficiência

  • Por Ricardo Motta
  • 05/10/2024 08h00
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DC Studio/Freepik Jovem adulto com deficiência trabalhando em análise financeira, usando computador para criar estratégia para desenvolvimento de negócios Inclusão efetiva exige que empresas proporcionem um ambiente que permita a essas pessoas desempenharem suas funções com dignidade

A acessibilidade no ambiente corporativo não é apenas uma questão de inclusão social e respeito à diversidade, mas também uma obrigação legal que deve ser rigorosamente observada pelas empresas. No Brasil, a legislação trabalhista e normas relacionadas à acessibilidade vêm sendo aprimoradas ao longo dos anos, com foco na promoção de ambientes de trabalho adequados para pessoas com deficiência (PcD). Além disso, a jurisprudência tem solidificado a importância da conformidade com essas normas, aplicando sanções às empresas que falham em garantir um ambiente acessível e inclusivo.

A Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº 13.146/2015), também conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência, e a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) estabelecem diretrizes para a contratação e manutenção de PcD no ambiente de trabalho. O artigo 34 da Lei 13.146 dispõe sobre a responsabilidade das empresas em promover a acessibilidade, seja por meio de adaptações no espaço físico ou através de recursos tecnológicos que garantam a execução das atividades profissionais de forma eficiente e segura para PcD.

Outro dispositivo de grande relevância é o Decreto nº 5.296/2004, que regulamenta as Leis nº 10.048/2000 e nº 10.098/2000, as quais tratam da prioridade de atendimento e da acessibilidade para pessoas com deficiência e que também afeta diretamente as relações de trabalho. Esse decreto define os critérios técnicos para que as empresas assegurem a acessibilidade arquitetônica, comunicacional e tecnológica no ambiente corporativo.

Cotas para pessoas com deficiência (Lei de Cotas)

A Lei nº 8.213/1991 é uma das legislações mais impactantes no campo da acessibilidade no trabalho, pois institui a chamada “Lei de Cotas”, exigindo que empresas com 100 ou mais empregados destinem entre 2% e 5% de suas vagas para pessoas com deficiência. O descumprimento dessa norma pode resultar em multas e outras penalidades administrativas.

Contudo, não basta apenas o cumprimento numérico das cotas. A inclusão efetiva exige que as empresas proporcionem um ambiente que permita a essas pessoas desempenharem suas funções com dignidade e igualdade de condições. Julgados recentes têm abordado a questão do “cumprimento formal” versus “cumprimento material” da Lei de Cotas, destacando que é obrigação da empresa não só contratar, mas garantir a acessibilidade plena no ambiente de trabalho.

Adaptações razoáveis e inclusão tecnológica

A legislação trabalhista também reforça a necessidade de adaptações razoáveis, conceito trazido pela Lei 13.146/2015. Adaptações razoáveis referem-se a modificações e ajustes necessários para que a pessoa com deficiência possa exercer suas atividades sem ser prejudicada por barreiras físicas ou tecnológicas. Entre essas adaptações, destacam-se:

  • Adequações físicas no ambiente de trabalho, como rampas, elevadores acessíveis e banheiros adaptados.
  • Tecnologias assistivas, incluindo softwares de leitura de tela, ampliação de texto e dispositivos de comunicação aumentativa.
  • Ajustes nos procedimentos internos, como reuniões que considerem as limitações auditivas ou visuais dos colaboradores.

Essas medidas são reforçadas pela Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, da qual o Brasil é signatário, garantindo o direito ao trabalho em igualdade de condições para todos.

Julgados recentes e a atuação da Justiça do Trabalho

A Justiça do Trabalho tem sido um agente fundamental na fiscalização do cumprimento das normas de acessibilidade. Em decisões recentes, os Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) têm reiterado que a mera contratação de pessoas com deficiência, sem a garantia de acessibilidade e condições adequadas de trabalho, configura violação dos direitos fundamentais e pode gerar indenização por danos morais.

Como exemplo, pode-se citar um julgado que condenou uma empresa por não oferecer condições adequadas de acessibilidade a um trabalhador cadeirante. Embora ele tenha sido contratado conforme as exigências da Lei de Cotas, não conseguia desempenhar suas funções de forma plena devido à falta de adaptações físicas no ambiente de trabalho. Esse precedente evidencia que a responsabilidade das empresas vai além da simples contratação; é fundamental que estejam preparadas para garantir um ambiente de trabalho acessível e inclusivo

Fiscalização e consequências do não cumprimento

O Ministério Público do Trabalho (MPT) e a Auditoria Fiscal do Trabalho têm intensificado suas fiscalizações para garantir o cumprimento das normas de acessibilidade. Empresas que descumprem essas normas podem enfrentar, além das multas administrativas, processos trabalhistas por discriminação e falta de condições adequadas de trabalho.

A Lei nº 13.146/2015 reforça que o não cumprimento da acessibilidade é uma forma de discriminação, e a empresa pode ser responsabilizada judicialmente, inclusive com ações civis públicas movidas pelo MPT. Diante do cenário legislativo e jurisprudencial, as empresas precisam adotar medidas preventivas e corretivas para assegurar um ambiente de trabalho acessível. Algumas orientações incluem:

  • Diagnóstico de acessibilidade: realizar um diagnóstico completo das barreiras físicas, tecnológicas e procedimentais que possam impedir a inclusão efetiva de PcD no ambiente de trabalho.
  • Treinamento e sensibilização: promover programas de treinamento para gestores e colaboradores sobre acessibilidade, inclusão e respeito às diferenças.
  • Auditoria de conformidade: implementar auditorias periódicas para garantir que as normas de acessibilidade estão sendo cumpridas, inclusive considerando as atualizações legislativas e jurisprudenciais.
  • Adaptações físicas e tecnológicas: investir na adequação dos espaços físicos e na utilização de tecnologias assistivas para promover a inclusão.
  • Diálogo com colaboradores: ouvir os trabalhadores com deficiência sobre suas necessidades e desafios específicos, promovendo um ambiente de trabalho colaborativo e inclusivo.

As empresas têm uma responsabilidade que vai além do cumprimento estrito da lei; trata-se de uma responsabilidade social de promover a acessibilidade no ambiente de trabalho. A legislação trabalhista, respaldada por julgados recentes, estabelece obrigações claras quanto à inclusão de pessoas com deficiência, exigindo que as empresas adotem medidas concretas para eliminar barreiras e garantir igualdade de oportunidades. O descumprimento dessas normas pode resultar em penalidades severas e causar danos à reputação corporativa. Portanto, é crucial que as organizações invistam em políticas de acessibilidade e inclusão, criando um ambiente de trabalho mais justo, equitativo e preparado para acolher todos os profissionais, independentemente de suas limitações físicas.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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