Como influenciadores digitais estão promovendo o vício em jogos de azar

Publicidade desses serviços pode ser enganosa, promover uma falsa percepção de facilidade de ganho financeiro e levar a sérios problemas como vício, dificuldades financeiras e impactos na saúde mental

  • Por Ricardo Motta
  • 22/06/2024 08h00
rorozoa/Freepik Roleta A responsabilidade dos influenciadores na publicidade de jogos de azar é regida pelo Código de Defesa do Consumidor

Meses atrás, em especial no mês de dezembro de 2023, falamos aqui mesmo nesta coluna sobre as diferenças existentes entre os jogos de azar e as apostas esportivas. De lá para cá, poucas foram as novidades regulatórias. Contudo, sob o aspecto dos usuários e, sobretudo, dos divulgadores digitais desses jogos, o volume cresceu de forma exponencial. A ascensão das redes sociais e dos influenciadores digitais trouxe novas dinâmicas para o mercado e a sociedade. Influenciadores possuem um poder significativo de persuasão sobre seus seguidores, tornando-se veículos atrativos para a promoção de produtos e serviços. No entanto, essa influência nem sempre é exercida de forma ética e responsável, especialmente quando envolve a promoção de jogos de azar.

Os influenciadores digitais têm a capacidade de moldar opiniões e comportamentos de seus seguidores, o que os torna alvos preferenciais para campanhas publicitárias. Utilizando estratégias simples para criar vínculos emocionais, esses comunicadores constroem uma relação de confiança e compatibilidade, afetando ainda mais as atitudes na sociedade. A exteriorização de suas rotinas e hábitos cria um elo pessoal com o público, estabelecendo uma relação de intimidade e confiança que os torna influentes nas decisões de consumo de seus seguidores.

 

O uso das redes sociais para promoção de jogos de azar

 

A promoção de jogos de azar por influenciadores digitais pode levar a sérios problemas como vício, dificuldades financeiras e impactos na saúde mental. A publicidade desses serviços, especialmente para audiências jovens, pode ser enganosa e promover uma falsa percepção de facilidade de ganho financeiro. A exploração desses jogos, frequentemente apresentada como uma forma de entretenimento inofensiva, pode mascarar a realidade dos riscos envolvidos. A maioria dos jogadores enfrenta perdas financeiras significativas e, em muitos casos, desenvolve problemas de vício que impactam suas vidas pessoais e profissionais. Muitos influenciadores demonstram como jogar diferentes jogos de azar, compartilhando suas sessões de jogo ao vivo e mostrando suas habilidades e ganhos, o que pode ser muito atraente para o público. Estas demonstrações tornam-se interessantes e incentivam a participação do público nesses jogos.

As redes sociais e os influenciadores digitais estão se tornando as principais fontes de informação sobre jogos de azar por várias razões: são amplamente acessíveis e extremamente populares, tornando-se uma fonte natural e conveniente de informações. As plataformas de mídia social são projetadas para serem altamente envolventes, oferecendo conteúdo visualmente atraente e fácil de consumir. Além disso, os influenciadores constroem um forte senso de confiança e credibilidade com seus seguidores, sendo vistos como especialistas e mantendo uma conexão pessoal. Essa combinação de fatores faz com que as redes sociais superem as fontes tradicionais de mídia.

Contudo, a falta de regulamentação específica para a publicidade de jogos de azar online dificulta a fiscalização e o controle dessas atividades. Projetos de lei em tramitação no Senado Federal visam regulamentar a exploração e a publicidade dos jogos de azar no Brasil, estabelecendo normas claras para proteger os consumidores. A profissionalização do setor é essencial para garantir publicidade responsável e ética, protegendo os consumidores de práticas prejudiciais.

 

Responsabilidade dos influenciadores

 

A responsabilidade dos influenciadores na publicidade de jogos de azar é regida pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), pelo Código Civil e pelo Código Penal, que preveem penalidades para publicidade enganosa e por danos causados aos consumidores. Apesar de não haver regulamentação específica para influenciadores digitais, o CDC dispõe sobre a publicidade de forma geral, alcançando essa nova categoria. A exploração de jogos de azar não regulamentados é considerada uma contravenção penal no Brasil.

Decisões judiciais recentes reforçam a responsabilidade dos influenciadores por práticas fraudulentas. Em casos como a promoção de sorteios ou produtos de terceiros, influenciadores foram considerados solidariamente responsáveis pelos danos causados aos consumidores. Isso demonstra a tendência dos tribunais brasileiros em tratar a atividade dos influenciadores como profissional, sujeita a consequências jurídicas. Os influenciadores que promovem jogos de azar não regulamentados podem enfrentar várias consequências legais:

Responsabilidade cível

Influenciadores podem ser processados por danos morais e materiais causados pela promoção de jogos de azar. O CDC prevê que todos os envolvidos na cadeia de fornecimento de um serviço são responsáveis pelos danos causados ao consumidor. Assim, influenciadores podem ser responsabilizados por perdas financeiras e por promover atividades que levem ao vício em jogos de azar.

Responsabilidade criminal

A promoção de jogos de azar não regulamentados é uma contravenção penal. Os influenciadores podem ser investigados e processados por promoverem tais atividades, o que pode resultar em multas e penas de prisão. A Lei de Contravenções Penais prevê sanções para quem participa ou promove jogos de azar ilegais. Sob tais aspectos, os divulgadores de jogos de azar podem responder pelos seguintes crimes:

  • Crime contra as relações de consumo e contra o consumidor;
  • Crime contra a economia popular;
  • Estelionato;
  • Propaganda enganosa; e 
  • Sonegação fiscal.

Seguindo com as responsabilidades dos influenciadores, além dos aspectos cíveis e criminais, é importante destacar a existência de aspectos administrativos, como é o caso do Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária), que já publicou um conjunto de regras específicas regulamentando as ativações de marketing de apostas no Brasil. Embora não tenha força de lei, o Conar estabelece diretrizes para a publicidade ética no Brasil. A promoção de jogos de azar por influenciadores deve seguir essas diretrizes, evitando, por exemplo, a publicidade direcionada a menores de idade ou a promessa de ganhos fáceis e seguros.

 

Possíveis mudanças com a aprovação dos projetos de lei

 

Atualmente, existem matérias e PLs em tramitação na Câmara dos Deputados e no Senado Federal que podem afetar a responsabilidade civil e criminal na publicidade de jogos de azar online, como o PLS nº 2234/2022, que visa regulamentar a exploração de jogos de azar no Brasil.  Sobre o referido PL, nesta quarta-feira (19) a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou a proposta que autoriza os jogos de azar no Brasil (bingo, jogo do bicho, cassino, bicho e permite apostas em corridas de cavalos). Com a obtenção de 14 votos a favor e 12 contrários, o projeto estabelece regras para a exploração e mecanismos de fiscalização e controle dos jogos. A medida cria a tributação das casas de apostas e de prêmios, além de uma série de direitos aos jogadores. Com a decisão, a matéria seguirá para votação em plenário.

Como observado, não restam dúvidas de que a promoção de jogos de azar por influenciadores digitais representa um desserviço significativo à sociedade, contribuindo para problemas de vício e endividamento. É essencial que influenciadores, marcas e plataformas de redes sociais atuem de maneira ética e responsável, garantindo a conformidade com as leis e a proteção dos usuários e consumidores. A regulamentação específica é necessária para criar um ambiente publicitário mais seguro e transparente. Promover uma cultura de transparência e responsabilidade não só protege os consumidores, mas também fortalece a credibilidade dos influenciadores e a confiança do público nas redes sociais como um espaço seguro e informativo. A influência digital deve ser um farol de boas práticas, não um caminho para o vício e a ruína financeira.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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