Contencioso de volume: como migrar carteiras sem perder o controle

Com protocolos claros, auditoria e governança contínua, a transferência entre escritórios deixa de ser um desafio operacional e se torna uma oportunidade

  • Por Ricardo Motta
  • 11/10/2025 08h00
  • BlueSky
Drazen Zigic/Freepik Dois colegas de trabalho examinando documentos enquanto trabalhavam juntos no escritório Protocolos bem definidos e auditoria constante transformam migração de carteiras em oportunidade para reforçar eficiência e controle financeiro

Empresas que lidam com carteiras de volume, seja em causas trabalhistas, consumeristas ou cíveis, convivem diariamente com a pressão por eficiência, previsibilidade e redução de custos. Ainda assim, muitos departamentos jurídicos permanecem atrelados a contratos pouco produtivos por acreditar que a migração de processos entre escritórios representa um risco desnecessário. Na prática, o que segura a decisão não é a impossibilidade técnica, mas o receio de que informações se percam ou de que prazos escapem.

Esse receio, porém, mascara uma realidade: a maior dificuldade raramente está na transferência em si, mas na ausência de protocolos claros. Quem já conduziu uma migração sabe que, com regras definidas, planilhas consistentes e prazos bem amarrados, a transição flui de forma tranquila e controlada. Sem método, qualquer mudança parece caótica, com governança, transforma-se em oportunidade de reorganizar a gestão do contencioso e gerar ganhos tangíveis.

O mito da complexidade

No cotidiano das empresas, é comum ouvir relatos de diretores ou gerentes jurídicos que hesitam em trocar de escritório mesmo diante de falhas recorrentes: relatórios entregues fora de prazo, visibilidade limitada sobre provisões ou estratégias desalinhadas ao negócio. Esse apego a uma falsa segurança perpétua vínculos pouco produtivos, como se mudar de escritório fosse um salto no escuro.

Na prática, a migração pode ser estruturada de forma simples e controlada. O segredo está em protocolos objetivos. É o mesmo raciocínio que se aplica em supply chain ou finanças: se o fornecedor não gera valor, ele é substituído. No contencioso, não deveria ser diferente.

O passo a passo seguro

1. Planejamento inicial e mapeamento

O levantamento prévio do universo processual é indispensável. Saber não só quantas ações estão em curso, mas também quais impactam diretamente imagem e caixa da companhia, evita surpresas e dá escala correta ao projeto.

2. Checklist documental

Relatórios divergentes entre escritório e cliente são comuns. O checklist deve contemplar procurações, substabelecimentos, cadastros e andamentos, sempre conferidos com a base interna para evitar lacunas de responsabilidade.

3. Comunicação formal

Para reduzir ruídos, é recomendável centralizar a interlocução em pontos únicos e fixar prazos objetivos de entrega. Essa etapa costuma definir se a migração será tranquila ou desgastante.

4. Transição de poderes

O momento de substituir procurações e registrar novos patronos costuma ser visto como um gargalo, mas com organização prévia e domínio das plataformas eletrônicas (PJe, e-SAJ e equivalentes), a substituição é rápida e sem descontinuidade.

5. Base de dados centralizada

É aqui que muitos jurídicos internos percebem o valor da mudança. Criar um repositório unificado, seja em planilha, dashboard ou software de gestão, garante visibilidade imediata e elimina a dependência de relatórios fragmentados.

6. Auditoria inicial

Pequenos descuidos do passado, como processos “esquecidos” ou contingências não provisionadas, costumam aparecer nesta etapa. A revisão por amostragem protege a companhia e reforça a confiança no novo escritório.

7. Governança contínua

Uma vez consolidada a carteira, o passo seguinte é transformar a operação em gestão. KPIs como prazo médio de resposta, taxa de improcedência e tempo para acordos precisam ser monitorados e reportados à diretoria e ao CFO, trazendo previsibilidade financeira.

A oportunidade por trás da transição

A cada migração, a empresa ganha a chance de revisar protocolos internos, reforçar o diálogo entre jurídico e financeiro e implantar indicadores que aproximem a gestão de litígios da lógica de investimentos. Em vez de enxergar carteiras de volume como um passivo inevitável, é possível tratá-las como portfólios de gestão, capazes de gerar inteligência, liquidez e reputação.

Essa mudança de perspectiva é poderosa. O que parecia uma troca arriscada revela-se um exercício de governança e maturidade empresarial, com impacto direto no caixa, na transparência e na credibilidade da companhia diante de conselhos, investidores e mercado.

Migrar carteiras jurídicas não é sinônimo de incerteza, mas de escolha estratégica. Com protocolos definidos, auditoria aplicada e governança contínua, a transição deixa de ser um risco e se converte em oportunidade para fortalecer a posição do jurídico como parceiro do negócio.

A pergunta não é se a migração é segura, mas quanto custa continuar preso a estruturas que já não entregam valor. Trocar de escritório não é risco, é estratégia.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

  • BlueSky

Comentários

Conteúdo para assinantes. Assine JP Premium.