Contencioso de volume: como migrar carteiras sem perder o controle
Com protocolos claros, auditoria e governança contínua, a transferência entre escritórios deixa de ser um desafio operacional e se torna uma oportunidade
Empresas que lidam com carteiras de volume, seja em causas trabalhistas, consumeristas ou cíveis, convivem diariamente com a pressão por eficiência, previsibilidade e redução de custos. Ainda assim, muitos departamentos jurídicos permanecem atrelados a contratos pouco produtivos por acreditar que a migração de processos entre escritórios representa um risco desnecessário. Na prática, o que segura a decisão não é a impossibilidade técnica, mas o receio de que informações se percam ou de que prazos escapem.
Esse receio, porém, mascara uma realidade: a maior dificuldade raramente está na transferência em si, mas na ausência de protocolos claros. Quem já conduziu uma migração sabe que, com regras definidas, planilhas consistentes e prazos bem amarrados, a transição flui de forma tranquila e controlada. Sem método, qualquer mudança parece caótica, com governança, transforma-se em oportunidade de reorganizar a gestão do contencioso e gerar ganhos tangíveis.
O mito da complexidade
No cotidiano das empresas, é comum ouvir relatos de diretores ou gerentes jurídicos que hesitam em trocar de escritório mesmo diante de falhas recorrentes: relatórios entregues fora de prazo, visibilidade limitada sobre provisões ou estratégias desalinhadas ao negócio. Esse apego a uma falsa segurança perpétua vínculos pouco produtivos, como se mudar de escritório fosse um salto no escuro.
Na prática, a migração pode ser estruturada de forma simples e controlada. O segredo está em protocolos objetivos. É o mesmo raciocínio que se aplica em supply chain ou finanças: se o fornecedor não gera valor, ele é substituído. No contencioso, não deveria ser diferente.
O passo a passo seguro
1. Planejamento inicial e mapeamento
O levantamento prévio do universo processual é indispensável. Saber não só quantas ações estão em curso, mas também quais impactam diretamente imagem e caixa da companhia, evita surpresas e dá escala correta ao projeto.
2. Checklist documental
Relatórios divergentes entre escritório e cliente são comuns. O checklist deve contemplar procurações, substabelecimentos, cadastros e andamentos, sempre conferidos com a base interna para evitar lacunas de responsabilidade.
3. Comunicação formal
Para reduzir ruídos, é recomendável centralizar a interlocução em pontos únicos e fixar prazos objetivos de entrega. Essa etapa costuma definir se a migração será tranquila ou desgastante.
4. Transição de poderes
O momento de substituir procurações e registrar novos patronos costuma ser visto como um gargalo, mas com organização prévia e domínio das plataformas eletrônicas (PJe, e-SAJ e equivalentes), a substituição é rápida e sem descontinuidade.
5. Base de dados centralizada
É aqui que muitos jurídicos internos percebem o valor da mudança. Criar um repositório unificado, seja em planilha, dashboard ou software de gestão, garante visibilidade imediata e elimina a dependência de relatórios fragmentados.
6. Auditoria inicial
Pequenos descuidos do passado, como processos “esquecidos” ou contingências não provisionadas, costumam aparecer nesta etapa. A revisão por amostragem protege a companhia e reforça a confiança no novo escritório.
7. Governança contínua
Uma vez consolidada a carteira, o passo seguinte é transformar a operação em gestão. KPIs como prazo médio de resposta, taxa de improcedência e tempo para acordos precisam ser monitorados e reportados à diretoria e ao CFO, trazendo previsibilidade financeira.
A oportunidade por trás da transição
A cada migração, a empresa ganha a chance de revisar protocolos internos, reforçar o diálogo entre jurídico e financeiro e implantar indicadores que aproximem a gestão de litígios da lógica de investimentos. Em vez de enxergar carteiras de volume como um passivo inevitável, é possível tratá-las como portfólios de gestão, capazes de gerar inteligência, liquidez e reputação.
Essa mudança de perspectiva é poderosa. O que parecia uma troca arriscada revela-se um exercício de governança e maturidade empresarial, com impacto direto no caixa, na transparência e na credibilidade da companhia diante de conselhos, investidores e mercado.
Migrar carteiras jurídicas não é sinônimo de incerteza, mas de escolha estratégica. Com protocolos definidos, auditoria aplicada e governança contínua, a transição deixa de ser um risco e se converte em oportunidade para fortalecer a posição do jurídico como parceiro do negócio.
A pergunta não é se a migração é segura, mas quanto custa continuar preso a estruturas que já não entregam valor. Trocar de escritório não é risco, é estratégia.
*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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