Com Talibã no poder, economia do Afeganistão tem futuro incerto

Falta de dólares, mais desigualdade e o aumento da inflação devem ser o preço que uma das nações mais pobres do mundo vai pagar se voltar a ser pária internacional

  • Por Samy Dana
  • 24/08/2021 10h00
EFE/EPA/JAWED KARGAR pessoas acampando em praça de Cabul No dia 15 de agosto, o Talibã tomou a capital do Afeganistão, Cabul, e voltou ao poder quase 20 anos depois de ter sido expulso

A volta do Talibã ao poder é uma tragédia para o Afeganistão, para as liberdades da população e, principalmente, para defensores de direitos humanos, agora sob risco de vida, além das mulheres oprimidas pelo grupo e retiradas da vida civil nos cinco anos em que comandou o país, entre 1996 e 2001. Porém, o retorno do Talibã também deverá impor um alto preço para a economia. Falta de dólares, com a cotação disparada, mais desigualdade e o aumento da inflação devem ser o preço que uma das nações mais pobres do mundo vai pagar se voltar a ser pária internacional, como no primeiro regime Talibã. Desde a semana passada, em consequência da turbulência política, já estão suspensas as transferências de dinheiro dos afegãos que moram no exterior para seus parentes no país, que são uma importante fonte de divisas, responsáveis pelo envio por ano de US$ 800 milhões, pouco mais de 4% do Produto Interno Bruto (PIB) de US$ 19,4 bilhões.

O futuro governo talibã também não terá acesso às reservas, de quase US$ 10 bilhões, depositadas nos Estados Unidos ou no BIS (Banco de Pagamentos Internacionais), considerado o banco central dos bancos centrais. São títulos, ativos e lingotes de ouro, bloqueados assim que o grupo voltou ao poder. Haverá ainda problemas para manter os programas de ajuda. Em junho, por exemplo, o Afeganistão recebeu quase US$ 400 milhões do Fundo Monetário Internacional. O risco é até mesmo do governo parar. Segundo o Banco Mundial, 75% dos gastos públicos são financiados por instituições no exterior, o que coloca o novo governo numa situação desconfortável. Sem recursos, será difícil conter a insatisfação popular depois de 20 anos de relativa liberdade sob a supervisão dos Estados Unidos.

Mas não se deve esperar que a economia faça milagres para moderar o regime. O Talibã mesmo sempre se financiou com atividades criminosas e é menos dependente do Ocidente. O Afeganistão produz 80% do ópio no mundo e é também grande produtor de metanfetaminas. Boa parte disso está em território controlado pelo Talibã, que recebe uma parte dos lucros dos traficantes. Como qualquer milícia, o grupo também cobra uma taxa – de 10% – dos moradores e das empresas. Existe até mesmo um imposto sobre a riqueza, de 2,5%, pago pelos mais abastados com base na lei islâmica. E para o país é possível que, como acontece com outros regimes autoritários, como o da Venezuela e do Irã, o bloqueio financeiro internacional seja compensado pela presença da China. Estima-se que o Afeganistão tenha US$ 1 trilhão em reservas não exploradas de minério de ferro, ouro e cobre, entre outros minerais. As empresas chinesas são as candidatas mais óbvias a explorá-las. Como em outros casos, o governo chinês faz vista grossa para abusos de direitos humanos em troca de commodities. Já liderava os investimentos no país antes do isolamento internacional. Com o Ocidente saindo de cena, a presença econômica deve ser ampliada.

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