PEC ‘fura-teto’ é contabilidade criativa contra teto de gastos sem constrangimento fiscal

Proposta é defendida pela equipe econômica para resolver o impasse no Orçamento deste ano, que saiu do Congresso com estouro de R$ 26 bilhões

  • Por Samy Dana
  • 16/04/2021 11h49
CLÁUDIO MARQUES/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO Paulo Guedes gesticulando Impasse no orçamento de 2021 vem gerando discussões no governo federal

Como o ministro Paulo Guedes, da Economia, deixou claro a investidores, o governo não gosta do apelido “fura-teto” dado à Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que deixa fora do teto de gastos algumas despesas com saúde e com apoio a empresas e trabalhadores na fase atual da Covid-19. Mas o apelido, dado pelo mercado financeiro, acertou em cheio. É grande a possibilidade de que a PEC se torne uma contabilidade criativa para aumentar as despesas da União sem o constrangimento fiscal.

A PEC é defendida pela equipe econômica para resolver o impasse no Orçamento deste ano, que saiu do Congresso com estouro de R$ 26 bilhões. Para incluir obras que favorecem políticos em seus redutos eleitorais, cortou despesas obrigatórias como o pagamento de aposentadorias. Desde então, ocorre uma queda de braço entre a ala técnica e a ala política do governo. Paulo Guedes quer o veto dos excessos e que os gastos a mais entrem na PEC. Mas o Centrão pressiona pela sanção presidencial do Orçamento na íntegra, deixando ajustes para depois. No fundo, a ameaça é de que, se não forem contemplados com as obras, congressistas podem negar apoio a reformas como a tributária e a administrativa.

No cálculo da equipe econômica, as despesas para lidar com a piora da Covid-19 ficarão em R$ 35 bilhões, incluídos na PEC. Mas o economista Marcos Mendes, um dos autores do teto, que limita os gastos do governo ao valor do ano anterior e mais a inflação, diz que o governo poderia abrir créditos extraordinários para cobrir as novas despesas sem mexer na Constituição. O risco é de que, enviado o projeto ao Congresso, ocorra novamente aquilo que se viu no ano passado. O auxílio emergencial ficaria em R$ 200 e seria pago por três meses pela proposta original. Um total de R$ 600 por trabalhador informal. Acabou remodelado para R$ 600 por seis meses e mais R$ 300 até o fim do ano. Os R$ 600 viraram R$ 4,5 mil para quem recebeu todas as parcelas. E os gastos com o programa, estimados em R$ 120 bilhões quando o benefício começou a ser pago, saltaram para R$ 300 bilhões.

Não há também garantia de que, se o presidente Jair Bolsonaro sancionar o Orçamento sem vetos, a PEC será aprovada depois pelo Congresso. Ficaria um Orçamento impossível de cumprir, superestimando receitas e faltando dinheiro para o governo funcionar. Por conta do impasse, o Itaú Unibanco já prevê que os gastos a mais devem chegar a R$ 100 bilhões. Já atingiriam 20% dos gastos totais com a Covid-19 em 2020. Outros falam em R$ 200 bilhões. É um número impossível de saber agora. Mas o debate deixa claro que mesmo com a crise fiscal, dívida acima de 90% do Produto Interno Bruto (PIB) e dólar em alta, segue bastante difícil convencer nossos políticos sobre a necessidade de não se gastar demais.

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