A preservação da memória esportiva brasileira carece de boa vontade, conhecimento e sensibilidade
Raridades podem estar escondidas e perdidas em instituições e videotecas e devem ser compartilhadas com o público
Quero contar aqui mais uma “saga” pessoal em busca de raridades da televisão brasileira que se perderam no tempo. Em 1998, fiz um pedido de consulta à Cinemateca Brasileira, em São Paulo, que detém o acervo da extinta TV Tupi. Eu queria saber o que eles tinham de imagens da Copa de 1962. O mundial, disputado no Chile, que resultou no bicampeonato da seleção, foi o primeiro em que os jogos foram gravados em videoteipe, uma revolução, na época. Ao contrário dos filmes, a fita magnética não precisava de qualquer tipo de revelação. Lembrando que ainda não existia a transmissão ao vivo, via satélite, para o Brasil. A população acompanhava pelo rádio e, no dia seguinte, as emissoras de televisão exibiam os VTs. O transporte das fitas se dava em aviões comerciais, a partir de Santiago.
Antes de consultar a Cinemateca, eu sabia que três dos seis jogos da seleção na Copa de 1962 estavam preservados em videotape: México, Espanha e a final contra a Tchecoslováquia. Da semifinal contra o Chile, existe registro apenas em filme, mas com boa qualidade. Na primeira fase, a equipe nacional já tinha enfrentado os tchecos, partida marcada pela contusão que abreviou a participação de Pelé, no Chile. Entretanto, não existe a íntegra deste jogo, temos apenas trechos.
Mas a minha grande dúvida sempre foi em relação à partida contra a Inglaterra pelas quartas de final. A TV Cultura já tinha exibido os gols do duelo, vencido pelo Brasil por 3 a 1, com imagens em videoteipe, assim como a Globo. A BBC de Londres tem a íntegra (disponível no YouTube), mas com uma imagem precária em filme. Então, esse era meu objetivo ao pedir para visitar a Cinemateca: encontrar o jogo contra a Inglaterra.
Uma funcionária me recebeu muito bem e me levou até uma sala equipada com uma TV e um videocassete. Lá estavam seis fitas VHS separadas por ela. Comecei, então, a assistir às gravações. Em uma delas, uma surpresa! As seleções de Brasil e Inglaterra, jogo disputado em 10 de junho de 1962, estavam de novo em campo e a imagem era impecável! Adiantei a fita e constatei, para minha decepção, que só tinha o primeiro tempo. A gravação continuava, mas com cenas de Didi, Dedé e Mussum do antigo programa “Os Insociáveis”, o precursor dos “Trapalhões”.
Perguntei para a funcionária da Cinemateca se alguém sabia da existência do segundo tempo e ela não tinha a menor ideia do que eu estava falando. Era uma senhora que havia trabalhado por décadas como assistente social no governo do Estado de São Paulo e foi remanejada para a Cinemateca. Questionei se poderia fazer uma cópia daquele material, e ela respondeu que não tinha como. Anos depois, telefonei para a Cinemateca, novamente em busca do primeiro tempo de Brasil e Inglaterra. A funcionária não conseguiu localizar o jogo no catálogo, mas me informou que, normalmente, o valor do minuto para venda chegava a R$ 45 mil!
Nos últimos anos, a Cinemateca passou a disponibilizar parte do acervo da TV Tupi. É um material jornalístico de suma importância para a história da televisão brasileira. Entretanto, o tal jogo contra a Inglaterra ainda está perdido em alguma prateleira de lá. Ou, quem sabe, o material já se deteriorou.
Se serve de consolo, eu disponibilizo aqui uma raridade da Copa de 1962: a partida entre Brasil e Espanha, disputada em Viña del Mar. O grande destaque foi Amarildo, substituto de Pelé e autor dos dois gols da seleção. A narração é de Fiori Gigliotti. O áudio da rádio Panamericana, hoje Jovem Pan, foi inserido na imagem. Espero que gostem!
Brasil x Espanha – Copa de 1962 – 1º tempo
Brasil x Espanha – Copa de 1962 – 2º tempo
*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.
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