Chegada da seleção de 1958 com o título mundial causou comoção no Brasil
O Rio de Janeiro, ainda capital do país, teve uma festa jamais vista na história
A primeira conquista da seleção brasileira em uma Copa, em 29 de junho de 1958, na Suécia, provocou uma euforia jamais vista no país. Na volta para casa, foram mais de 30 horas de voo, escalas e cerimônias intermináveis. As comemorações começaram ainda na noite de domingo, 29 de junho, depois da vitória diante dos donos da casa por 5 a 2. A segunda-feira, dia 30, foi de descanso, passeios, compras por Estocolmo e muito assédio da imprensa e da torcida. “A maioria dos jogadores campeões, que ontem haviam se entregado às mais entusiásticas manifestações de contentamento pela posse da Copa do Mundo, saiu hoje às ruas (passeios e compras), enquanto que alguns permaneceram em repouso na concentração”, relatou o Diário Carioca. Depois de um fim de semana chuvoso, o sol deu as caras em Estocolmo.
A saída da Suécia estava marcada para a terça-feira, primeiro de julho, às 10h45 locais. O saguão do aeroporto ficou abarrotado de torcedores suecos que queriam se despedir dos astros da bola. A revista O Cruzeiro registrou: “(…) Quando os alto-falantes do aeroporto de Estocolmo anunciaram a partida do avião especial da Panair do Brasil, que conduzia os campeões de volta à Pátria, havia lágrimas nos olhos de muitos suecos, que tinham ido dar adeus aos bravos jogadores brasileiros”. O “Bandeirante Antônio Raposo Tavares”, prefixo PP-PDM, pertencente a Panair, deixou o solo levando os campeões mundiais. Dentro do avião, o capitão Bellini segurava a Jules Rimet e dizia: “Parece que estou sonhando. Quero tocá-la para acreditar”.
O primeiro destino foi Londres. Os jogadores desceram da aeronave e concederam entrevistas para jornalistas locais. Às 14h45, a delegação deixou a capital britânica rumo ao aeroporto de Orly, em Paris. Os jogadores aproveitaram a nova escala para comprar perfumes e conversar com repórteres franceses. Na volta ao avião, a revista O Cruzeiro informou que o craque Didi fez uma lista com nomes e assinaturas dos atletas para que eles registrassem os prêmios pela vitória, já que tudo seria dividido: “Dizem que eu ganhei um automóvel. Se for verdade, como não posso dividi-lo em 22 pedaços, vou vendê-lo e o dinheiro apurado dividirei com todos”.
Na sequência, após a escala em Paris, foi a vez de visitar os “patrícios”. Já era noite quando o avião pousou em Portela de Sacavém (hoje chamada apenas de Portela), a cinco quilômetros de Lisboa. Um grupo de torcedores portugueses confundiu o roupeiro Assis com Pelé e foi uma correria. Apesar de uma recepção estar prevista para o aeroporto, os jogadores foram para o campo do Benfica e depois seguiram em direção ao estádio do Sporting. No local, a fadista Amália Rodrigues cantou para a seleção brasileira. Depois da breve comemoração, a comitiva voltou ao aeroporto: era meia-noite e dezoito minutos quando o avião da Panair deixou a Europa, em definitivo, rumo ao Brasil. A primeira escala foi em Recife.
A parada na capital Pernambucana seria inicialmente para reabastecimento da aeronave. A seleção não tinha tempo, pois deveria seguir para o Rio de Janeiro, onde cumpriria uma extensa agenda, com direito a encontro com o presidente da República, Juscelino Kubitschek. Mas a pressão local foi tão grande que os jogadores tiveram de deixar o avião. Chovia muito, mas o mau tempo não foi capaz de estragar a festa do alegre povo do Nordeste. Pelo contrário. Os atletas receberam homenagem no Clube Português. A revista O Cruzeiro destaca que um dos primeiros a ter contato com parentes foi o alagoano Zagallo. Os tios dele se deslocaram até Recife especialmente para recepcionar o campeão.
No Rio de Janeiro, ainda capital do país, estava previsto que o presidente da República recebesse os jogadores no aeroporto do Galeão, antes do deslocamento para o Catete, mas, com o atraso da delegação brasileira, o cronograma foi alterado. O governo decretou ponto facultativo nas repartições públicas federais, estaduais e municipais. Já o comércio do Rio fechou as portas ao meio-dia.
Quando a aeronave se aproximava do aeroporto, Didi declarou: “Puxa, o Galeão está cheio. Parece até um formigueiro!”. O pouso se deu às 17h50 daquele dia dois de julho de 1958, quarta-feira. De acordo com O Cruzeiro, começava um teste de fôlego para jogadores e a comissão técnica: “Escoltado por dezesseis caças a jatos da FAB, sobrevoa o Galeão o DC7-C da Panair. Aí começou o delírio que duraria cinco horas – até o Palácio do Catete.”
Assim que a porta do avião se abriu, surgiu Bellini segurando o troféu mais cobiçado pelos futebolistas de todo o planeta. Os jogadores subiram em um carro dos Bombeiros para o desfile pelas ruas e avenidas do Rio. Paulo Machado de Carvalho, chefe da delegação, jamais se esqueceu da multidão que foi recepcionar os campeões: “A gente saiu [do Brasil] completamente desacreditado. No aeroporto do Rio, eu acho que não tinham 40 ou 50 pessoas. Em compensação, na volta isso foi multiplicado por milhares e milhões”.
Já era noite quando a comitiva brasileira foi recebida pelo presidente da República, no Palácio do Catete. Estimativas à época indicavam que, ao menos, três milhões de pessoas estiveram nas ruas do Rio de Janeiro naquele dia ao longo de todo o trajeto: desde a chegada da seleção ao aeroporto, nos deslocamentos por ruas e avenidas e na recepção na sede do governo.
Um palco foi montado na calçada em frente ao Catete para receber os heróis de Estocolmo: “Sitiado por uma multidão cada vez maior, o Palácio do Catete viveu seis horas como uma Bastilha não sanguinária”. Os cordões de isolamento foram rompidos e a multidão conseguiu chegar perto do palco. A revista Manchete citava: “(…) A maior recepção já havida na história da cidade, maior que as manifestações na chegada dos ‘pracinhas’ (…). A Avenida Rio Branco viu a maior noite dos seus quase sessenta anos de existência, quando se bateram todos os recordes de entusiasmo. (…) Balões com bandeiras dos países que disputaram a Copa foram soltos na Praça do Congresso e na Praça Mauá e houve até quem sugerisse que jogadores deveriam ter desfilado no Maracanã, de onde saíram para a vitória”.
Ao lado da filha, Márcia, e da esposa, Sara, Juscelino Kubitschek entregou medalhas aos campeões, sendo que o primeiro a receber a distinção foi Paulo Machado de Carvalho, precisamente às 21h13. Cada jogador ainda ganhou um diploma com o seguinte texto: “O presidente da República, traduzindo o sentimento do povo brasileiro e considerando a importância dos esportes como afirmação do desenvolvimento do progresso das nações confedera a (nome do jogador) a medalha alusiva ao título de Campeonato Mundial de Futebol, conquistado em sua campanha imorredoura na Suécia, no ano de 1958, (a) Juscelino Kubitschek de Oliveira.” O presidente assinou, simbolicamente, um projeto de abertura de linha de crédito de 22 milhões de cruzeiros para que os jogadores conseguissem comprar a casa própria. JK também mandou cunhar medalhas que foram enviadas aos jogadores da Suécia: um agradecimento aos adversários pela desportividade.
As autoridades presentes queriam conhecer de perto os grandes nomes da seleção: “O general Nelson de Melo, chefe da Casa Militar da Presidência da República, que estava também no palanque armado em frente ao Palácio do Catete, ao lado do cardeal D.Jaime Câmara, quis saber quem era Djalma Santos” (O Cruzeiro). A saga pelas ruas do Rio foi tão intensa que o presidente da CBD, João Havelange, ficou doente no dia seguinte.
O evento em frente ao Palácio do Catete terminou de madrugada. A Confederação Brasileira de Desportos reservou quartos no Hotel Paysandú, no bairro do Flamengo, para que os jogadores que não moravam no Rio de Janeiro pudessem passar a noite.
A festa prosseguiu depois para os atletas que atuavam em São Paulo, com direito a festa no Vale do Anhangabaú. Em Santos, Pelé foi recebido com entusiasmo pelos torcedores. Afinal, o jovem de 17 anos, já campeão do mundo, tinha tudo para se tornar o maior astro do futebol mundial.
Que festa!
*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.
Comentários
Conteúdo para assinantes. Assine JP Premium.