Conflito em Baltimore vai muito além do racismo
A prefeita negra de Baltimore anunciou o fim do toque de recolher implantado na cidade depois dos violentos e delinquentes protestos que se seguiram à morte do jovem negro Freddie Grady sob custódia policial. Ela disse que é hora de “cicatrizar as feridas”.
Na sexta-feira, a promotora em Baltimore anunciou que serão indiciados seis policiais, três negros e três brancos. Este retrato dá uma medida da complexidade da situação e o perigo de disparar que tudo não passa de racismo em Baltimore.
Em Baltimore, 2/3 dos habitantes são negros, a prefeita é negra, o presidente da Câmara dos Vereadores é negro, o chefe da polícia é negro, assim como 40% dos policiais na cidade, e a promotora encarregada do caso é negra.
Abaixo dessa estrutura do poder, existem impressionantes mazelas sociais. Na vizinhança em que vivia Freddie Gray, 50% dos moradores estão desempregados e 50% dos alunos do segundo grau não aparecem rotineiramente na escola. Há uma taxa de homicídios em Baltimore seis vezes acima da média nacional. Um primo da prefeita morreu baleado e a mesma coisa ocorreu com um sobrinho do presidente da Câmara dos Vereadores. Um estudo feito pelo jornal The Washington Post mostrou que em nove bairros de Baltimore a expectativa de vida está abaixo da existente na Síria, um país em guerra civil. Na cidade, a alguns quilômetros dos “bairros sírios”, a expectativa de vida salta 20 anos.
Vastos programas sociais foram implantados em cidades como Baltimore desde os anos 60. Fracassaram? Não, mas colocar mais dinheiro não basta para resolver problemas sociais e pode criar mais disfunções. A policia é brutal? Sim, mas a barra é pesada em Baltimore e a imensa maioria das vítimas da violência é negra. Não é mole ser policial na cidade. Existe racismo nos EUA? Sim, mas é residual, hoje misturado com estas mazelas sociais.
Os jovens que protestaram nos últimos dias nas ruas de Baltimore (e, imperdoável, em muitos casos recorrendo à delinquência e ao vandalismo) reclamavam mais da instituição policial do que da raça. Já a polícia reclama que muito se espera dela, com expectativas de que esteja equipada para encarar tantas patologias sociais, quando seu foco deveria ser manter lei e ordem.
Num país polarizado, com conservadores e liberais sempre armados com os mesmos talking points, brotam alguns sementes consensuais de que é preciso romper este circulo vicioso em que jovens negros e policiais são tratados como suspeitos habituais.
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