Debate sobre a dita anistia ao caixa dois está completamente fora de foco

  • Por Reinaldo Azevedo/Jovem Pan
  • 17/11/2016 09h00
Alex Ferreira / Câmara dos Deputados Dep. Onyx Lorenzoni (DEM-RS)

Onyx Lorenzoni, relator do texto que traz as famosas dez medidas contra a corrupção — que acabaram virando 18, 17 e, agora, não se sabe — faria a leitura de seu texto na Comissão Especial nesta quarta-feira. Adiou. Parlamentares não gostaram de um anúncio que fez depois de um encontro, na segunda, com os procuradores Deltan Dallagnol, um dos coordenadores da força-tarefa da Operação Lava Jato, e José Robalinho Cavalcanti, presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR)

Explica-se: o deputado havia incluindo entre as suas 18 medidas a possibilidade de juízes e promotores serem processados por crime de responsabilidade no caso de descumprimento de suas funções. Os dois grupos não gostaram, claro!, e reclamaram com o relator. Ele prometeu eliminar o item do seu relatório. Aí reclamaram os parlamentares.

Lorenzoni então decidiu adiar a apresentação e disse que vai conversar de novo com parlamentares e membros do MPF: “O objetivo do trabalho é tentar conseguir montar um texto que permita sair da comissão com ampla maioria ou com unanimidade”. Não me parece que seja possível. Nota: as três medidas realmente inaceitáveis propostas originalmente pelo MPF já estão fora de debate: aceitar em juízo provas ilegais e restringir drasticamente o habeas corpus. A terceira, o teste de honestidade, deixa de ser motivo de ação penal.

Já escrevi aqui e reitero: acho, sim, que juízes e promotores estão sujeitos a cometer crime de responsabilidade. Mas me parece conveniente debater o assunto em âmbito distinto, não num conjunto de prescrições legais destinadas a combater a corrupção.

Caixa Dois

Há temas que grudam como craca no jornalismo, não saem de jeito nenhum, insistem, formam colônias de pensamento e vão contaminando o noticiário. Um deles é a tal anistia para crime de caixa dois. Vamos ver?

Caixa dois já é crime. Só que é um crime eleitoral. Também pode ser considerado uma modalidade de falsidade ideológica: presta-se uma informação falsa num documento de fé pública. E só. O que faz o projeto de lei relatado pelo deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS)? Inscreve a pratica no Código Penal. Se aprovado o texto, quem participar de caixa dois de campanha, doando ou recebendo, comete um crime mesmo, de natureza penal.

Se aprovado o texto como está, quem incorrer em tal prática está sujeito a uma pena de prisão de dois a cinco anos se os recursos forem de origem lícita; se ilícita, dobra-se a punição: de quatro a dez anos.

E a tal anistia? Pois é… O debate está meio torto.

Lei penal não retroage para punir, apenas para beneficiar o réu. Quem quer que tenha praticado caixa dois até as eleições de 2016 estará sujeito às penas previstas na legislação eleitoral e pode ser acusado de falsidade ideológica. Essa nova caracterização de crime, constante no texto das tais dez medidas (agora 18 ou 17), não poderá mesmo ser empregada para punir os faltosos.

Ah, mas e a possibilidade de o Ministério Público acusar os políticos de lavagem de dinheiro? Bem, meus caros, ainda que se quisesse inserir no projeto de lei uma salvaguarda anunciando que caixa dois não é lavagem, nada impediria o Ministério Público de fazer essa denúncia — como, aliás, vimos no mensalão. Ou não se condenou à farta os réus também por esse crime, embora, no mais das vezes, a dinheirama movimentada tivesse mesmo sido usada em campanha e para saldar dívidas de partidos?

Esse debate precisa entrar no eixo: uma coisa já está clara, certo? A lei não vai retroagir para punir os que cometeram caixa dois antes da aprovação do projeto. Não vai porque não pode. Porque é inconstitucional. E é bom que seja, meu querido leitor! No dia em que uma lei penal retroagir para punir pessoas, estaremos todos com a corda no pescoço. Afinal, o seu passado seria uma obra aberta em matéria de crime. Ao tomar um simples Chicabon, você estará correndo riscos. Vai que, no futuro, isso seja considerado um atentado às finanças do Estado, já que o produto pode engordar, o que oneraria o sistema de saúde?

Que eu saiba, ninguém está propondo mudar a legislação eleitoral ou a lei que trata de falsidade ideológica. E insisto: ainda que se queira aprovar, de algum modo, a anistia, nada impedirá o Ministério Público de apresentar uma denúncia por lavagem de dinheiro se estiver caracterizada a… lavagem de dinheiro. E nada impedirá um juiz de aceitar.

E o tribunal vai dizer: foi mesmo lavagem dinheiro na forma como caracteriza a lei? Afinal, também esse crime não é matéria para voos subjetivos.

Esse debate é um caso típico de muito barulho por nada.

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