Desembargador pisa na bola; entenda

  • Por Jovem Pan
  • 30/07/2014 12h35

Reinaldo, parece que o desembargador que concedeu o habeas corpus a black blocs andou pisando na bola, é isso?

Na bola, no tomate, na jaca, na caca. Vamos ver. O procurador de Justiça Riscalla Abdenur, do Ministério Público do Rio, entrou com recurso contra a liminar do desembargador Siro Darlan, da 7ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça, que concedeu habeas corpus a 23 pessoas acusadas de formação de quadrilha armada. Abdenur pede que o próprio Darlan reconsidere a decisão; caso contrário, que ela seja submetida à 7º Câmara Criminal em 48 horas – nesse caso, um grupo de desembargadores tomará a decisão final.

Desde o começo me pareceu que havia algo de estupidamente errado na decisão de Darlan. Por quê? As evidências que vieram a público – e ele confessou não ter lido o inquérito – eram e são por demais eloquentes. Como se vê, o homem as ignorou. Antes de tomar sua decisão, postou no Twitter uma mensagem que misturava Lupicínio Rodrigues com o Hino da Proclamação da República que parecia bastante eloquente:

“O pensamento parece uma coisa à-toa, mas como é que a gente voa quando começa a pensar” (Lupicínio), emendando “Liberdade! Liberdade! Abra as Asas sobre Nós!” (hino).

Senti no ar o cheiro da carne queimada da lei misturado à fumaça da demagogia. E eu estava certo, não é? Se vocês recorrerem à Internet, verão que doutor Darlan não é um homem avesso aos holofotes. Muito pelo contrário. Ele os aprecia muito. E concedeu anteontem uma espantosa entrevista à BBC Brasil, com ataques estúpidos ao Ministério Público do Rio. Entre outras barbaridades, disse o sr. Darlan:

“O Ministério Público é uma inutilidade. Ele é muito eficiente quando lhe interessa. Mas há situações em que o MP se omite. Hoje estamos com prisões superlotadas porque o MP é eficiente na repressão do povo pobre, do povo negro. 70% do sistema penitenciário do Rio de Janeiro está vinculado a crimes de drogas, o que efetivamente não tem nenhuma periculosidade. Vender droga ilícita é absolutamente igual ao camarada que vende cachaça. São drogas. Mas a nossa sociedade resolveu criminalizar a venda de determinadas drogas. E coincidentemente quem vende é a população mais pobre. Isso coincide com o interesse de exclusão social dessa população.”

Trata-se de uma soma tão monumental de besteiras que deixarei para destrinchar seu inteiro conteúdo em outro post. A fala não passa de uma grosseria irresponsável. Para começo de conversa, não é o Ministério Público que faz as leis. Ao órgão cabe atuar segundo a legislação que existe. E, até onde sei, Darlan tem de fazer a mesma coisa. Ou ele foi eleito por alguém para legislar, por exemplo, sobre a lei antidrogas? A propósito: quem é ele para decidir que a sociedade, que paga o seu salário, está errada em cultivar determinados valores? Doutor Darlan é juiz para aplicar as leis que temos – consolidadas pelo estado democrático e de direito – ou para fazer justiça com a própria toga?

O sábio resolveu ser também juiz da imprensa. Afirmou: “Falar de liberdade de expressão no Brasil hoje é bastante complicado. Porque os meios de comunicação mais importantes não usam essa liberdade. Só é endereçado ao público aquilo que interessa financeira, ideológica e socialmente aos donos dos jornais e televisões”. Eu me atrevo a dizer que o doutor não entende nada de imprensa e que, se essa instituição estivesse sob seus cuidados, certamente não tardaria a haver censura no país sob o pretexto de se garantir a liberdade de expressão.

Doutor Darlan está indo muito além das suas sandálias. Alguns dos casos mais graves e escabrosos envolvendo a vida pública brasileira – um deles resultando até na deposição de um presidente – vieram a público em razão do trabalho da imprensa.

Li a entrevista e cheguei à conclusão de que doutor Darlan não gosta das leis que temos, não gosta da sociedade que temos, não gosta da imprensa que temos etc. É evidente que ele tem o direito de gostar e de não gostar do que bem entender. Ele só não pode inventar as próprias leis e exigir que o Ministério Público faça o mesmo.

Menos, doutor Darlan! Não tenha a tentação, meu senhor, de ser um tirano do bem! Não existe tirania do bem! Seja servil às leis, doutor, e estará prestando um enorme serviço ao Brasil.

 

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