Dois professores universitários fazem a defesa impossível do voto obrigatório. Quem sofre são os argumentos
Se você é do tipo que gosta de soluções autoritárias, que diminuam o poder de escolha das pessoas e aumentem o arbítrio do Estado, então é o caso de pedir a opinião de intelectuais. Claro, os há também favoráveis às liberdades individuais e à escolha dos cidadãos. Infelizmente, são minoria em nossas universidades. Pois bem… A Folha promove uma série de encontros para debater temas de interesse público intitulada “Seminários Ilustríssima”, promovidos pelo jornal e pelo Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento).
O desta segunda debateu o voto facultativo e reuniu Fernando Limongi, pesquisador do Cebrap e professor do Departamento de Ciência Política da USP, e Cláudio Couto, professor do Departamento de Gestão Pública da Fundação Getulio Vargas (SP). Bem, não houve propriamente um debate, mas um dueto. Os dois, acreditem!, são favoráveis ao voto obrigatório.
E por que escrevo esse “acreditem”? Então não podem ter essa opinião? Podem! Desde que me expliquem como obrigar alguém a votar, sob pena de uma punição, caracteriza, numa democracia, exercício de um direito. Ainda que conseguissem, seria preciso testar a qualidade dos argumentos. E aí que a coisa pega.
Diz, por exemplo, Limongi: “Existe essa visão elitista, que acha que [o voto facultativo] vai tirar o eleitorado que sustentou a corrupção e que vai sobrar o eleitor iluminado, frequentador da faculdade de filosofia da USP. Não! Não vai rolar, não é assim que as coisas são”.
Bem, em primeiro lugar, nunca pensei na qualidade do eleito ou do eleitor quando defendo volto facultativo. Tenho em mente outra coisa: decidir se participo ou não de uma assembleia, de um ato coletivo, de uma colegialidade qualquer há de ser escolha minha. Isso não me pode ser imposto. O que importa, aí sim, é que eu acate o resultado. Sem contar, né, Limongi?, que o tal frequentador da Faculdade de Filosofia da USP é que tende a votar em quem sustenta a corrupção…
E Limongi avança:
“Há uma expectativa de que existem dois tipos de eleitor. Um é bom, convicto, sério, competente, que vota independentemente de se obrigar. E tem o eleitor que só vota porque é obrigado e que é um eleitor malformado, volúvel, que é o eleitor que traz problema, que deturpa o sistema, que polui o sistema”.
É mesmo? Quem pensa assim? Aliás, tendo a achar, contra o meu desejo e as minhas convicções, que o voto facultativo até tenderia a beneficiar as esquerdas, uma vez que estas aparelham sindicatos, ONGs, movimentos sociais. Ademais, quem reivindica o monopólio dessa iluminação, vamos ser claros, são os esquerdistas, nunca os liberais.
Se bem que aquele analista com um olhar suspeito citado por Limongi existe. Era justamente o seu colega de debate. Leiam o que ele diz:
“Vamos pegar o caso americano. Quem normalmente não comparece? Hispânico, negro, pobre. Você exclui os que já estão excluídos socialmente. Então, a probabilidade no voto facultativo é você aumentar a exclusão dos que já são socialmente excluídos”.
Pois é… Há voto facultativo nos EUA, e o candidato que falava em nome dessas minorias foi eleito e reeleito. Num evento raro na história americana, a candidata que advoga em favor desses mesmos setores deve garantir o terceiro mandato democrata nesta terça-feira…
Limongi vai além do razoável ao citar a experiência da República Velha como limitadora do voto, sugerindo que o mesmo aconteceria se ele se tornasse facultativo. É do balacobaco! A Constituição de 1891 instituiu o voto universal, sim, em oposição ao censitário, mas para homens alfabetizados acima de 21 anos… Vale dizer: 3% da população. Um sofisticado mecanismo garantia, na prática, a nomeação de um Parlamento, independentemente da vontade até mesmo desses poucos eleitores.
Então ficamos assim: um defende o voto obrigatório porque parte do princípio de que os que se opõem ao expediente se consideram iluminados; o outro acha que o direito de escolha afastaria os ditos excluídos das urnas, sendo impossível, claro!, explicar por que, então, excluídos continuam se a lei decidiu incluí-los na marra.
Em poucos lugares a cultura autoritária e anti-indivíduo é tão forte como na academia brasileira.
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