Quando se fala dos menos de dois meses da gestão de João Dória à frente da Prefeitura de São Paulo, cumpre perguntar: será a doação a nova cara ou a nova etapa do falido Estado brasileiro? Bem, a resposta é, obviamente, não. Qualquer pessoa sensata responderia que um país, um Estado e um cidade precisam ter um sistema de arrecadação eficiente para que possam executar a contento os serviços. É o que queremos. É o que esperamos. Não é o que temos.
A Federação, boa parte dos Estados e uma infinidade de municípios estão literalmente quebrados. Diante disso, um governante pode simplesmente lamentar a sorte e dizer ao povo algo assim: “Lembram-se, né?, prometi melhorar a vida de vocês! Mas agora descubro que não há dinheiro e que recebi uma herança maldita…” E lá fica o povo a chupar o dedo. Ou pode tentar maneiras alternativas — lícitas! — de arranjar dinheiro e começar a fazer o que prometeu. Bem, João Dória (PSDB), prefeito de São Paulo, escolheu o segundo caminho. E, apontam as pesquisas e o diz-que-diz-que, esse esforço tem sido reconhecido pelos paulistanos. Na verdade, existe uma espécie de “Fator João Dória” de alcance nacional.
Há um mês e meio na governança da maior cidade do país, Dória logrou um êxito formidável: dezenas de empresas se comprometeram — e tudo está em curso — a doar ao menos R$ 187 milhões ao município. Desse total, ao menos R$ 120 milhões vêm na forma de doação de medicamentos paras as Unidades Básicas de Saúde.
Ah, é verdade! O prefeito exibe um lado, vamos dizer, marqueteiro que irrita alguns tantos. Eu mesmo não me entusiasmo muito com esse negócio de vestir uniforme de gari ou de pintor, de dar insertas em transportes públicos, de andar de cadeia de rodas… O estilo, no entanto, caiu no gosto da população. Mais: Doria é uma pessoa extremamente educada no trato. Mantém uma relação respeitosa com as pessoas. Mesmo essas demonstrações de “fazeção”, que poderiam ter um certo apelo populista, acabam sendo simpáticas.
Não há nenhuma novidade em um governante se fantasiar de povo, seja ele povo ou não originalmente. Mas estamos, sim, diante de uma novidade quando um político consegue fazer com que empresas doem R$ 31 milhões para a Secretaria de Assistência Social. Desse total, R$ 20 milhões serão destinados ao Complexo Prates, abrigo para moradores em situação de rua, na região da Luz. Os 83 abrigos da cidade — sim, 83! — estavam sem produtos de higiene. O dinheiro é curto. A Unilever e a P&G se comprometeram a doar, juntas, R$ 2,5 milhões em itens de higiene.
As esquerdas ficam com os pelos e a barba eriçados de, como posso chamar?, “pavor ideológico”. Afinal, eis a iniciativa privada cumprindo uma função social suplementar — uma vez que várias legislações no Brasil já fazem das empresas entes também de benemerência. E se faz uma pergunta surda em tempos em que tudo termina na Igreja dos Santos dos Últimas Dias da Lava Jato: “O que as empresas levam em troca?” Quando se descobre que a resposta é “nada” — pelo menos na moeda corrente entre os pecadores daquela igreja — aí vem o sorriso irônico: “Não pode ser!” Mas é. O prefeito as faz ver que uma cidade mais justa, mais digna, é um imperativo ético, mas é também um bom negócio.
Restauração do Monumento Tomie Otake? A Coral doou tinta e mão de obra. Limpeza da Ponte Octávio Frias de Oliveira? Vieram R$ 900 mil de um consórcio de empresas da região e da Philips. A Cyrela vai doar R$ 450 mil para reformar aos banheiros do Ibirapuera. A manutenção será custeada pela Unilever. O prefeito quer ainda as empresas adotando as praças da cidade — a ação já está em curso — e vai aportar o correspondente a mais de R$ 2 milhões no programa Marginal Segura. Receberá 10 picapes da Mitsubishi, 20 motos da Honda e 10 da Yamaha e dois veículos a Fiat. Essa empresa ainda vai responder pela manutenção de 120 carros da CET.
Voltando ao ponto É a “doação” a nova cara do Estado brasileiro? Não se trata de um norte administrativo. Não se trata nem mesmo de um norte moral. Prefiro pensar que Doria está pondo a sua experiência e a sua vivência a serviço da cidade. Uma de suas iniciativas mais bem-sucedidas, por exemplo, é o Lide (Grupo de Líderes Empresariais), que reúne, segundo o site oficial, mais de 1.600 empresas, estimuladas a atuar justamente em áreas sociais.
Então fiquemos assim: o que perdem os paulistanos com as doações conseguidas pelo prefeito? Bem, a pergunta apela ao absurdo. A resposta: nada! Só ganham. Em que saem arranhadas a moralidade e a institucionalidade? Mais uma vez, há que se dizer: em nada! E que se note: a maior parte das doações está direcionada à área social, aos mais pobres. As ações mais midiáticas de zeladoria, em certo sentido, contribuem até para esconder a eficiência de outros programas da Prefeitura.
Querem um exemplo? Quando Dória afirmou que iria zerar a fila de pessoas à espera de exames até abril, muitos deram de ombros. O programa Corujão é um sucesso. E, de novo a iniciativa privada foi convocada, aí numa colaboração engenhosa e que pode ser permanente. Hospitais privados fazem o exame em seus horários ociosos, recebendo pela tabela do SUS.
É claro que não é possível dizer ainda se Dória será ou não um bom prefeito. É ao término do mandato que se isso se verifica. Uma coisa è certa: ele vem cumprindo o que prometeu e, como se diz por aí, consegue pensar fora da caixinha.
Quando o trabalho é bem feito e se percebe o esforço genuíno para que as coisas melhorem, a população reconhece. A esquerda, claro!, baba de rancor, mas está muda. Até agora não descobriu um modo de sabotar iniciativas que tornam melhor a vida da população, especialmente dos mais pobres.
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