Entenda o barulho: Celso de Mello não segue STF e toma decisão que pode repercutir na Lava-Jato

  • Por Reinaldo Azevedo/Jovem Pan
  • 06/07/2016 08h14
Carlos Humberto/SCO/STF Carlos Humberto/SCO/STF Celso de Mello, ministro decano do STF

Vem debate dos bons por aí. E as mentalidades conspiratórias vão se exacerbar. A minha opinião está dada, apesar das porradas que levei. Fazer o quê? Se tivesse nascido artista, é possível que nem sempre buscasse só aplausos. Qual é o ponto?

Celso de Mello, decano do Supremo, mirou a Constituição e suspendeu a execução da pena determinada pelo Tribunal de Justiça de Minas. Segundo o ministro, “ninguém, absolutamente ninguém, pode ser tratado como se culpado fosse antes que sobrevenha contra ele condenação penal transitada em julgado [sem chance de recurso]”.

E daí? Bem, teremos de voltar a uma decisão do plenário do STF do dia 17 de fevereiro. Prestem atenção!

Naquele dia, por sete votos a quatro, o tribunal decidiu modificar entendimento anterior e autorizar, no julgamento de um habeas corpus, a execução da pena de um condenado após julgamento em segunda instância — isto é, feito por um colegiado. A segunda instância é composta pelos Tribunais de Justiça, no caso dos Estados, e pelos Tribunais Regionais Federais, no caso da União. Vale dizer: permanecesse tal entendimento, um condenado a regime fechado poderia, sim, recorrer ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou ao Supremo Tribunal Federal (STF), mas os juízes de segunda instância é que decidiriam se o faria preso ou não..

Votaram a favor desse entendimento em fevereiro os ministros Teori Zavascki — relator da Lava Jato e do pedido de habeas corpus que ensejou a questão —, Edson Fachin, Roberto Barroso, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes. Opuseram-se à tese Rosa Weber, Marco Aurélio, o próprio Celso de Mello, que toma essa decisão agora, e Ricardo Lewandowski, presidente da Corte.

Onde está o busílis? No Inciso LVII do Artigo 5º da Constituição, onde está escrito:
“Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

Pois é… A questão agora é saber o que se entende por “trânsito em julgado”, sempre lembrando que o Artigo 5º da Constituição é uma cláusula pétrea e, por disposição do Artigo 60 dessa mesma Constituição, não pode ser alterado nem por meio de emenda.

Nota 1 antes que continue: a decisão tomada naquele 17 de fevereiro não era vinculante e não obrigava os tribunais inferiores a segui-la. Logo, entende-se que um ministro do próprio Supremo, como fez Celso de Mello, poderia discordar no voto em caso específico, ainda que não seja praxe no tribunal.

Nota 2: já recorreram contra aquela decisão do tribunal, que autoriza a execução da sentença já a partir da segunda instância, a OAB e o Partido Ecológico Nacional. Os especuladores de votos alheios dizem que Dias Toffoli e Edson Fachin podem mudar entendimento anterior. Até onde sei, isso não vai acontecer.

O princípio legal e suas implicações
Vamos ver. O blog fez dez anos. Há dez anos, nesta página, eu não gosto de Supremo que legisla. Em área nenhuma. E já não gostava antes, quando trabalhava na Primeira Leitura, na Folha…

Eu tenho horror às feitiçarias esquerdopatas de um tal neoconstitucionalismo, em que juízes vão tirando decisões da cachola… Só entendo as decisões tiradas das leis. E, quando estas não são claras ou explícitas, procuro o seu espírito. Acho, em regra, um bom caminho.

No caso em questão, vamos ser claros: nem se trata de interpretar. O texto constitucional é explícito.

Impunidade e Lava-Jato
O princípio constitucional, no entanto, pode ser usado, às vezes, para apenas protelar a execução da sentença? Sim! O caso do ex-senador Luiz Estevão, pesquisem, era um exemplo gritante disso.

Assim, quando a maioria do STF decidiu pela execução da pena já em segunda instância estava tomando, do ponto de vista mais pragmático, uma decisão contra a impunidade? A resposta é “sim”. Toda ação contra a impunidade é defensável? A resposta: depende do valor que ela eventualmente ofenda.

Tornou-se um consenso, embora isso não tenha sido comprovado, que aquela votação do dia 17 de fevereiro está na raiz de delações premiadas que fizeram e podem fazer barulho, como a de Sergio Machado e a de Marcelo Odebrecht.

O primeiro, enquanto buscava atrair seus interlocutores para o buraco, criticava abertamente o Supremo por ter mudado o seu entendimento. Sobre o segundo, não há aspas a respeito, mas apenas conjecturas.

Não é simples
Não é uma questão simples. Aquela decisão do dia 17 contribui para combater a impunidade? A resposta explícita é “sim”. Por outro lado, há sempre um risco quando um tribunal decide contra a letra explícita da lei? A resposta também é “sim”. Não existe sociedade organizada sem segurança jurídica. E a segurança consiste em seguir o que está pactuado.

Façam as suas escolhas, sempre lembrando que, quando nos entregamos ao arbítrio de terceiros, independentemente do que está escrito, tendemos a achar justa a decisão com a qual concordamos e absurda aquela de que discordamos.

Fazendo uma escolha ou outra, só não abram mão de optar pelo pensamento. Sem sanguinolência argumentativa. Celso de Mello, o ministro que tomou a decisão de agora, não é um crápula, um bandido nem está tentando destruir a Lava-Jato.

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